Máquina avariada

Deixei o carro num parque de estacionamento pago, ao ar livre, em Lisboa. Quando o fui buscar, encaminhei-me para a caixa automática, mas um letreiro indicava: “Avariada”. Dirigi-me então à cabina para fazer o pagamento manual. Entrei. A cabina estava instalada num contentor e era relativamente ampla, com muita luz. Atrás da uma secretária, sentada,…

– Não está avariada, está desligada -foi a resposta seca da mulher.

– Desligada? – surpreendi-me. – Porquê?

– Tem de ser – respondeu outra vez laconicamente a mulher, enquanto metia na boca outra colher de iogurte.

Fiquei sem perceber a razão do ‘tem de ser’. Por causa dos assaltos? Mas então não deveriam retirar a máquina em vez de estar ali a fazer figura de corpo presente e a enganar os incautos?

E, para a funcionária, não seria preferível ser mais amável em vez de afivelar uma cara de poucos amigos? Eu sei que atender o público deve ser muito chato e que há pessoas insuportáveis. Mas então, quando aparece uma pessoa mais simpática – como tentei ser – a fazer uma pergunta com bons modos, não era uma oportunidade para a funcionária mostrar o seu lado amável?

Lembrei-me de outra situação recente relacionada com o atendimento público. Fui a um departamento do Estado tratar de um assunto do meu interesse. Telefonei antes e perguntaram se não queria marcar.

– Claro que sim! – respondi. – Não sabia que podia marcar-se; mas sendo possível, tanto melhor.

Cheguei antes da hora marcada, disse na receção ao que ia, esperei uns 5 minutos e o segurança mandou-me subir:

– Ainda não está na sua hora, mas como a marcação anterior faltou…

Num pequeno gabinete estava uma funcionária dos seus 50 e tal anos, cabelos grisalhos, rosto macerado, ar sofrido.

Cumprimentou-me com amabilidade. Expliquei o que pretendia. Consultou o computador, viu uns dados, fez-me umas perguntas e depois informou:

– Preciso de uma fotocópia do seu Cartão de Cidadão e de uma declaração bancária. Ao virar da esquina há uma casa de fotocópias e do lado contrário, depois do quiosque dos jornais, há uma agência do seu banco.

Saí. Passados uns dez minutos voltei com a documentação pedida. A senhora estava à minha espera. Recebeu os papéis, deu-me uns documentos para assinar, informou-me sobre o desenvolvimento do assunto que me levara ali. Pouco tempo depois eu estava despachado. À despedida, achei-me na obrigação de dizer:

– A senhora foi muito eficiente e muito simpática.

Ao que ela respondeu:

– O senhor também foi muito simpático.

Ficámos assim.

E se fosse assim com toda a gente, penso que andaríamos muito mais felizes. Se houvesse um esforço por parte dos funcionários para serem agradáveis, prestáveis, usarem o sorriso, também possivelmente os utentes não seriam tão chatinhos, impertinentes ou mesmo malcriados. Tudo correria melhor.

Ora, talvez isto se possa treinar. Na formação dos funcionários (públicos e privados) deveria haver uma alínea especificamente dedicada ao comportamento a ter no atendimento ao público. E já agora, no processo de seleção, deveria existir a preocupação de identificar as pessoas com melhores condições naturais para o desempenho dessa função.

Pelo menos, deveria haver o cuidado de não selecionar pessoas com mau feitio. Pessoas zangadas com a vida. Propensas a atenderem clientes enquanto comem displicentemente iogurtes e a responderem por monossílabos a perguntas educadas. Como se estivessem a fazer um grande favor a quem, depois de se dirigir a uma máquina desligada porque “tem de ser”, se vê obrigado a recorrer ao pagamento manual. Pagamento manual que, diga-se de passagem, é a razão de ser do posto de trabalho que aquela funcionária ocupa…