Obituário da Praia da Aberta Nova

A Aberta Nova foi, durante muitos anos, aquele género de praia que, de tão bonita ser, se mantinha em segredo…

Desde miúdo que as minhas férias passam parte das suas férias na casa de um kulto amigo pelas bandas de Melides. A praia, essa, é sempre a mesma: a da Aberta Nova. A Aberta Nova foi, durante muitos anos, aquele género de praia que, de tão bonita ser, se mantinha em segredo. Não se falava. No limite, com muita sorte, podia-se mostrá-la a alguém muito especial – mas só caso a pessoa se mostrasse merecedora de tais honras! Enfim, o mesmo que se faz com os bons restaurantes: não se os publicita aos amigos sob pena de popularizá-los e, consequentemente, estragá-los.

Mas o tempo do segredo já lá vai. Agora podem – e devem – saber o nome da praia à vontade: Aberta Nova. Eu repito: Aberta Nova. Praia da Aberta Nova, em Melides, perto do Restaurante Tia Rosa. Encham a boca com o nome e gritem-no alto para o vizinho ouvir, cuspam-no, se quiserem; tatuem-no, se o entenderem. Tudo à vontade.

É que a praia morreu. Mataram-na, talvez cientes de que o caminho para o sucesso é sempre a morte. Indo lá, sentirão o cheiro cadavérico dos novos colchões cor-de-rosa, observarão os novos-ricos a carcomer o resto das suas peles e, com sorte, testemunharão os coveiros com as suas t-shirts do CostaTerra.

Tudo a céu aberto.

O prenúncio ia-se sentido de ano para ano. Primeiro uma casa-de-banhozinha, depois uma estradazinha semi-alcatroada, agora uma passadeirazinha fofinha até à praia. Pum! Morte. Morra a praia, morra. Este ano, até o querido e amigo Bar dos Tigres chegou ao fim, vendo-se colonizado pelo sacrossanto bar do CostaTerra. O novo até pode não estar feio e a comida até pode ser tragável – mas não é o Bar dos Tigres. É um igual a todos os outros bares de praia a armar para o fino. Ali já não há verdade, genuinidade ou história: há só capitalismo. «Novos-ricos são má sorte».

Este ano, além do Bar dos Tigres, outras diferenças foram notadas na querida Aberta Nova. Conheço bem aquele mar: o profundo desnível após três passos; a frieza de junho e a amenidade de agosto; os dias zangados e os mansos. Este ano, pela primeira vez, fui surpreendido pela presença de rochas… Que será isto? Tratar-se-á das fundações de um novo megaempreendimento do CostaTerra? Cheira-me que sim. Mas, pasme-se, não ficamos por aqui: este ano, também pela primeira vez, a corrente do mar puxava para a esquerda e não para a direita. Só por acaso, mas só por acaso, puxava precisamente em direção às portas do novo bar do CostaTerra… Até que ponto pode ir a ganância? Nada é por acaso, e, no que toca a praias, toda a gente sabe que o que parece, é. Por fim – notem bem isto –, reparei que a água do mar estava mais salgada do que nunca! Mais uma vez: será por acaso? Ou será uma estratégia do CostaTerra para estimular o consumo de líquidos no seu novo bar? Até onde estarão estes mexicanos dispostos a ir de forma a ter sucesso? Longe, parece-me.

Enfim, sinais dos tempos. Tempos em que o dinheiro compra tudo – em toda a parte do mundo – e põe tudo vaziamente semelhante – em toda a parte do mundo. É agora altura de descer umas praias a sul, embora seja certo que daqui a dez anos por cá estarei a escrever essas mortes. Para já, choremos esta.

R.I.P. Praia da Aberta Nova (1128-2022)