Trintão sem saudade do vintinha

Tornou-se um cliché, difundido até à náusea em clássicos televisivos como Sexo e a Cidade, dizer que ‘os 30 são os novos 20’ – dogma depois repetido por todos aqueles com dificuldade em aceitar o processo de envelhecimento.

penso diferente. creio que são melhores.

este escriba encontra-se, pois, perfeitamente convencido de que possuímos maiores energia e capacidade nos trintas do que nos vintes. e nem sequer me refiro ao estafado (mas certo) argumento da maturidade, experiência adquirida ou quejandos psicológicos. falo de uma mais-valia física, mesmo. sim, claro, é bem verdade que hoje, aos 34, as ressacas duram-me dois dias e uma insónia das mesmas 48 horas faz-me querer empurrar caronte borda fora e conduzir eu próprio a barca com o inferno como destino final. contudo, parece-me que as nossas resistência e resiliência são bem maiores agora do que quando vintinhas. talvez do treino entretanto adquirido no ginásio do stress, onde adaptámos os nossos músculos – físicos e figurados (mentais) – para contrariedades jamais encontradas ou vividas nesse período tão confortável sito no auge da nossa juventude. dito por outras, e mais escorreitas palavras, aguento muito mais agora do que nos 20’s. é evidente que sinto falta do vigor desse tempo, espécie de força bruta, natural, sem esforço. mas quão fácil não era, afinal e olhando para trás, preservar essa faculdade quando: não trabalhava, ou estava apenas no início; não sentia pressão, não acumulava responsabilidades, desconhecia ainda o significado total de ansiedade.

ser trintão é aprender a ser tenaz. e, com as ferramentas absorvidas, deixar de ser velocista para arriscar a maratona. enquanto não cortamos a meta resta-nos encontrar alguma esperança noutra máxima da série supracitada… ‘os 40 são os novos 30’. é irónico, pois. mas é bom. e aceita-se com a idade.

ii – rua paralela: inveja dos adolescentes

nem de propósito, termino o primeiro texto num café deste outono enfim perfeito, amarelecido como as folhas dos plátanos no passeio defronte. chove, mas isso não detém o passo vagaroso de dois miúdos acabados de sair dum liceu na redondeza. têm ambos os auscultadores do ipod pousados nas orelhas mas conversam animadamente, apesar da tez pálida e ar geral de (como se dirá agora na escola deles?) nerds, geeks, moçoilos ainda por detectar no radar das coleguinhas.

não sei se é por um deles se deter para obrigar o amigo a trocar uns passes de bola quadrada numa lata de refrigerante – e isso me devolver memórias da minha rua na infância, se por rirem alto com aquela saúde de quem mantém todos os sonhos bem nutridos, se por outra razão, a verdade é que dou por mim num misto estranho de sorriso condescendente e rubor colérico. não há nada de aparente que recomende este par de espécimes, mas não contenho uma vontade imensa, vulcânica, de trocar a pele com um deles. é isso. uma profunda inveja de regressar ao tempo onde não me habitavam problemas.

iii – o milagre de paulo coelho

ela não gosta de ler muito embora, ironicamente, escreva bem. não se sente contudo confiante, talvez – lá está – por não ser leitora assídua. quando avança para a escrita hesita sobre o lugar certo das vírgulas ou o momento adequado para mudar de parágrafo. digo-lhe para não tirar trabalho aos editores, revisores, mais importante é ter boas ideias.

mas vejo-a agora entusiasmada com um livro. choque e horror, trata-se de um título do vasto repertório de paulo coelho, figura ambígua (para não dizer asquerosa). costumo defender que todas as pessoas que se encantam pelo ‘mago’ brasileiro fariam um bom pé-de-meia se investissem na compra de uma singular ‘bíblia’ em vez de gastar dinheiro nos sucessivos volumes de pc. poupança bem útil para os tempos que temos. afinal, grande parte daquelas lições de moral e/ou excertos inspiradores vêm do denominado livro sagrado.

todavia, sucede que – em apenas 48 horas – vejo-a hipnotizada com a narrativa de veronika decide morrer, livro que acaba por entrar para a minha própria lista de adquiridos (via interposta pessoa). conta-me tudo, pormenor a pormenor, como se fôssemos escuteiros à volta da fogueira do acampamento. e assim acabo por ver ruir um preconceito antigo. lembro-me, por exemplo e a propósito, de uma célebre entrevista de miguel sousa tavares – no rescaldo do seu êxito popular equador, bem menos consagrado pela crítica. diria mst que prestou um ‘excelente serviço à leitura’. duvidei. mas vejo agora, através do pequeno milagre de coelho, que tinha razão.

sim, mais vale um mau livro (não me parece, já agora, que seja o caso de equador) a conduzir leitores neófitos – potencialmente – para outras obras, que livro nenhum. não será ciência exacta mas uma probabilidade real.

e ei-la agora a folhear um haruki murakami, com o triplo do tamanho, ainda por cima. bem-hajas, veronika.

lfb_77@hotmail.com