Agora, sim

Não é por acaso que a Warner investiu na distribuição e promoção do filme de Sérgio Graciano Assim Assim, que estreou ontem em mais de 30 salas de cinema de norte a sul do país e em Luanda.

o projecto, que começou como uma curta-metragem escrita por pedro lopes, argumentista de grande tarimba de telenovelas, foi ganhando fôlego até chegar à versão longa da vida das suas personagens – ao longo de um ano de narrativa, que foi também um ano de filmagens. o resultado desta aventura, sem subsídios e com um orçamento residual é notável: arrisco, sem medo, dizer que os diálogos são os mais verosímeis que já vi no cinema português. as conversas entre miguel (ivo canelas) e o seu amigo duarte (joaquim horta) sobre o amor, as relações, o casamento e as mulheres deixam-nos com água na boca. e todas as outras personagens – onde vemos brilhar albano jerónimo, rita blanco, gonçalo waddington, miguel guilherme, margarida carpinteiro e nuno lopes, entre outros – são pessoas como nós, ou lembram-nos alguém parecido. assim assim mostra-nos a vida como ela é, em saborosas fatias recheadas de inteligência, de humor, de simplicidade e sobretudo de humanidade. cada diálogo resulta como um catálogo de como é ser português e de como se vive o amor em portugal.

quando as relações se tornam simples, nós complicamos. nada mais óbvio, nada mais sábio. queremos o que não temos, sonhamos com a pessoa certa, mas pensamos demais, sem pensar que as nossas decisões afectam a vida das outras pessoas. no fundo, andamos todos à procura de atenção, de amor e de carinho, todos ambicionamos ser alguém na vida de alguém. mas somos difíceis, desconfiados, às vezes medrosos, nem sempre bons, quase nunca resolvidos. numa palavra, somos humanos.

assim assim é um filme actual, sincero e despudorado sobre a luta perpétua da condição humana pelo amor, e também, contra o amor, porque o homem é esse bicho estranho que possui, acima de qualquer outro ser vivo, a capacidade de se auto-boicotar. somos seres insatisfeitos, egoístas e ambiciosos, foi isso que nos pôs na lua e é isso que nos põe na lama. o medo, que é o oposto da vontade, e a solidão, que é o avesso do amor, minam o nosso caminho. a solidão vem de dentro, a vastidão que nos rodeia é apenas o seu reflexo. e quando perdemos a capacidade do encantamento e nos fechamos na concha, a solidão povoada é ainda mais pesada. com ela vem o medo de falhar, de não conseguir, de perder aqueles que amamos, de não voltar a amar.

é assim o amor em portugal. os anglo-saxónicos ou estão felizes ou estão chateados, ou estão solteiros ou estão casados, ou andam a divertir-se ou assumem compromissos. nós não. somos feitos da matéria dos indecisos, somos muito assim assim. este é um filme imperdível para quem ouve o seu coração, mesmo que nem sempre o entenda, e quer entender o coração do outro, mesmo que nem sempre o consiga ouvir. assim sim, vale a pena ver cinema português. l