De pequenino se torce o coração

Quando nasce o impulso do amor romântico? Na verdade, muito cedo. Estudos realizados nos Estados Unidos mostram que o número de crianças com cinco anos que declarou já se ter apaixonado é igual ao dos 18 anos.

tendemos a desvalorizar as descrições dos nossos filhos e netos quando se apaixonam, esquecendo-nos que na idade deles passámos pelo mesmo. achamos giro, querido e até pitoresco, mas não os levamos a sério, da mesma maneira que, quando o amor romântico visita as pessoas mais velhas, os nossos preconceitos sobre a idade nos fazem desconfiar. e, no entanto, o amor acontece em qualquer idade. porquê? porque estamos programados para amar.

amar é um mecanismo multiusos. quando somos crianças e nos apaixonamos, estamos a aprender a seduzir outras pessoas por tentativa e erro. essa aprendizagem permite-nos perceber o que atrai ou não o outro. é a nossa forma de aperfeiçoar tácticas de corte, que apuramos na adolescência e que continuamos a treinar ao longo da vida.

mas o amor romântico tem também um papel selectivo; é a partir dele que excluímos outros parceiros, concentrando a nossa atenção numa pessoa que nos é especial, para com ela formar um casal visível perante a sociedade. este orgulho exibicionista de felicidade conjugal manifesta-se em tudo, desde as fotografias escolhidas para um perfil de facebook à clássica carrinha familiar com cadeirinhas de bebé atrás.

em portugal, tal como na maior parte dos países, o casamento é ainda uma instituição muito forte. uma amiga minha decidiu casar aos 48 anos e quando lhe perguntei porquê respondeu: «porque nunca casei».

casar com alguém, procriar e constituir família não são só imposições sociais – são um reflexo do nosso instinto de sobrevivência que passa pelo desejo de continuidade. os filhos completam-nos porque nos dão essa noção, por isso, gostamos tanto de reconhecer neles os nossos traços físicos e de carácter.

no entanto, o amor romântico nem sempre sobrevive ao embate dos biberões a meio da noite, das fraldas e dos vómitos. uma casa cheia de crianças é uma casa com pouco espaço para o amor a dois, mas a minha geração cresceu a pensar que casamento e amor romântico são a mesma coisa, por isso, queremos tudo – sol na eira e chuva no nabal. ou seja, um pai dedicado às nossas crias, com músculos de aço e tempo e imaginação para jantares à luz de velas.

é verdade que há pessoas mais apaixonáveis do que outras. um pinga-amor de vocação será sempre um pinga-amor, com cinco, 15, 25 ou 65 anos. já uma pessoa com dificuldade em se apaixonar terá provavelmente um quadro familiar de carência profunda ou ausência de mãe. é a diferença entre ter uma bateria de amor ou amar a pilhas. quem foi amado em criança terá mais propensão para se apaixonar do que quem não foi. e é de muito pequenino que se aprende a treinar o coração, para o bem e para o mal.