A última vez

É sempre difícil dizer adeus, cortar os laços e continuar em frente. Durante exactamente seis anos fiz parte da equipa do SOL. Posso mesmo dizer que faço parte do grupo de privilegiados que viu nascer o SOL, mesmo antes de chegar às bancas. E hoje é o dia em que a minha crónica no SOL…

apesar de estar inserida num semanário, sempre quis fugir a temas da actualidade porque acredito que tudo passa, menos o que sentimos. isso, vai mudando, em cambiantes suaves, ou de forma drástica, se não nos restar outra alternativa. o que sentimos é o que fica cá dentro do peito, o que nos corre nas veias, aquilo em que pensamos no instante anterior ao momento em que adormecemos e que nos assalta no minuto em que acordamos. e eu já sinto saudades desta página, e sei que este sentimento vai perdurar até me interessar por outra, me ligar a ela, e depois, finalmente, me envolver com ela. tal e qual como acontece nas relações. um amor só é totalmente esquecido com outro. podemos ser estóicos e aprender a encarar os dias com bonomia, podemos aprender a dormir sozinhos e a saborear todas as delícias da liberdade, podemos encontrar paz e sossego na solidão escolhida, podemos até alcançar aquele dia abençoado em que acordamos e o coração já não sangra, a memória já não nos tortura e a perda já não nos pesa porque nos sentimos finalmente livres, mas lá no fundo todos sabemos que ninguém é tão forte nem tão estereotipado. um amor só se esquece com outro e há quem seja exímio e fazê-lo. trocar de nome como quem troca de camisa e continuar como se nada tivesse mudado. mudou o corpo e a voz, mudaram os hábitos e o cheiro, mudaram os sonhos e as vontades, mas há quem não se importe com estas mudanças, desde que sinta o coração ocupado e os dias protegidos do tédio e do vazio que fica quando perdemos aqueles que amamos.

é preciso ser mais forte do que isto, é preciso saber fazer o luto. esquecer um bocadinho mais todos os dias, até ao tal dia abençoado que nos sabe a liberdade. e abrir a porta com cuidado e parcimónia a quem aparecer a seguir. é que quem lá vem pode ser a pessoa certa, mas se nos tocar o coração no momento errado, podemos deitar tudo a perder. o oposto do sensato é o que vejo à minha volta: fugas para a frente. como nos tempos medievais, quando os senhores das terras eram tão ou mais poderosos que o rei que os governava e nenhum reino sobrevivia a um trono vazio. rei morto, rei posto, diz o ditado. mas nenhum rei vinga por decreto, só o tempo e o mérito associados ao seu reino fazem com que prevaleça. volto a dizer, tal e qual como as relações. não adianta inventar o amor, imitá-lo, usando o desejo e a paixão súbita para o legitimar. o amor precisa de tempo, precisa de sossego, precisa de provas, precisa de amor.

olho para o meu jardim de hortenses e de oliveiras, enfeitado por uma palmeira que não cresce porque nunca foi bem podada. os amores que morrem são os amores que não cresceram. são aqueles em que um dos amantes tinha sempre medo e dúvidas, que punha em causa o amor sem nunca se pôr em causa a si próprio. o medo é o avesso do amor e o seu maior inimigo. nunca tive medo de amar, nem de páginas em branco. não tenho medo de nada, a não ser de não ver o meu filho crescer. crónicas e amores vêm e vão. ficam ou voam, é a ordem natural das coisas. as que ficam, viverão para sempre no nosso coração.