Renegociação da dívida pode ser vantajosa para todos

O argumento apresenta-se facilmente usando uma parábola para o efeito. O Daniel tem dinheiro mas não tem jeito para pescar, e o Paulo tem jeito para pescar mas não tem dinheiro.

O Daniel oferece-se para comprar uma cana de pesca na troca de poder comer do peixe que o Paulo pescar. Os dois amigos assinam o contrato. Durante algum tempo tudo vai bem, sendo que o Paulo pesca e ambos comem do pescado. Um dia o Paulo fica doente e não tem forças para pescar. O que fazer? Na primeira solução o Daniel insiste que tem de ser o Paulo a pescar. Como o Paulo está verdadeiramente doente, o esforço que faz para se levantar da cama acaba por matá-lo. O Daniel morre de vergonha por ter conduzido o amigo à morte. Na solução alternativa, o Daniel e o Paulo renegoceiam o contrato. O Daniel aceita pescar até o Paulo ficar bom. Embora ambos tenham agora menos peixe do que tinham antes, pois o Daniel não é tão bom a pescar como o Paulo, o facto é que estão ambos vivos.

A razão por que a renegociação é vantajosa para ambos é que a prossecução do contrato aquando da doença do Paulo leva à tomada de medidas ineficientes (o esforço deste para se levantar e ir pescar sem ter forças para tal) que podem ter efeitos desastrosos (a morte do Paulo e a vergonha do amigo). Com a renegociação, o resultado que se obtém é especialmente favorável ao Paulo (que evita a morte), mas também pode ser favorável ao Daniel (mesmo que este não se preocupe com a vergonha que é deixar morrer o amigo) se os dois acordarem em certas transferências: por exemplo, o Daniel recebe uma maior fracção do pescado quando o Paulo ficar bom e essa fracção é maior do que receberia se fosse ele a pescar.

Esta parábola ilustra dois pontos importantes sobre a natureza dos contratos em geral e contratos de dívida em especial. Primeiro, na prática é impossível escrever um contrato que inclua todas as contingências futuras (por exemplo, como é que se iria adivinhar que o Paulo ia ficar doente logo quando os médicos estavam todos num congresso em Cabo Verde!). Segundo, os contratos são muitas vezes sujeitos a renegociação.

Há uma vasta literatura teórica em finanças que estuda quando renegociar um contrato de dívida. Esta literatura considera os problemas típicos que podem ocorrer como sendo o caso da doença do Paulo não passar de uma artimanha para não ir trabalhar. Em muitos casos, a renegociação de contratos é óptima pois melhora o bem estar de todos.

A solução das Brady bonds adoptada para resolver a crise financeira dos países em desenvolvimento nos anos 80, com a substituição da dívida existente por outra de mais longa maturidade e com taxas de juro mais baixas, mas colaterizada, resultou num mercado líquido para a nova dívida que beneficiou os credores, e num aliviar do pagamento de juros para os países. Não foi contudo uma panaceia pois nalguns casos o endividamento excessivo reapareceu pouco depois.

Professor de Finanças,

Católica Lisbon-School of Business & Economics e Boston University