os pareceres em causa – um de fausto quadros e outro assinado por rui medeiros e jorge pereira da silva – foram enviados pelo governo dia 26 de agosto, ou seja, 12 dias depois de o tc ter recebido o pedido de cavaco silva para se pronunciar sobre as alterações na função pública, soube o sol. o prazo para os juízes do palácio ratton era de 25 dias, o que só terminaria a 9 de setembro.
o problema é que o tribunal decidiu fazer o trabalho mais depressa e emitiu a sentença a 29 de agosto, ou seja, dez dias antes de expirar o prazo. isto, por causa das férias judiciais, como o presidente do tc, sousa ribeiro, haveria de explicar na conferência de imprensa. durante este período (entre 15 de agosto e 14 de setembro), o tc funciona em dois turnos de 15 dias. o primeiro ‘pegou’ no processo dos despedimentos na função pública e quis terminá-lo antes de ir de férias. o segundo ficou com a polémica lei de limitação dos mandatos autárquicos.
mas, ao encurtar o processo, o palácio ratton frustrou as contas do governo. o tc só teve, assim, em consideração, como explica no acórdão, “uma nótula explicativa sobre as questões suscitadas no presente processo e um parecer de jurisconsulto”.
trata-se, sabe o sol, de um texto elaborado por maria do rosário ramalho e pedro madeira de brito, enviado pelo governo ao tc no dia 19, e de um parecer de miguel nogueira de brito, enviado no dia 23.
líder do tc avisou passos
ao sol, o tc confirmou a existência dos quatro documentos, explicando que “dois deles constam do processo por terem sido ainda apresentados a tempo. outros dois não constam do processo por terem sido considerados extemporâneos, por terem chegado quando já tinha sido elaborado e distribuído o projecto final do relator”. o tc acrescenta ainda que “esta decisão foi oportunamente comunicada ao senhor primeiro-ministro”.
o governo, porém, estranha a recusa dos juízes, alegando que não podem ser considerados extemporâneos. “foram entregues no 12.º dia, ou seja, na primeira metade do prazo de 25 dias que o tc tinha para se pronunciar”, sublinha um membro do núcleo duro do executivo.
todos os pareceres vão, no entanto, ser tornados públicos em breve – possivelmente hoje. a decisão já está tomada e o governo vai colocá-los no site do portal do governo para que possam ser avaliados e discutidos.
a intenção é, precisamente, fomentar o debate, pois passos coelho entende que faz falta um debate mais alargado como forma de fazer ver aos juízes que têm de interpretar a constituição “à luz dos tempos que vivemos”.
o ex-presidente do tribunal constitucional joaquim cardoso da costa não quis comentar o caso, mas elogia a rapidez do acórdão. “se está em condições de emitir uma decisão, o tribunal não só pode como deve decidir”, afirma ao sol, esclarecendo: “andar mais depressa é legítimo, estranho seria que guardasse o processo num cofre”.
“suponho que a razão para acelerar o acórdão seja a mudança de turnos”, acrescenta cardoso da costa. na verdade, estando o tc em regime de férias judiciais, os juízes que ‘pegaram’ no processo foram substituídos logo após emitirem o acórdão sobre a requalificação.
o antigo presidente do tc diz que se deixassem o processo para os sete juízes que entraram ao serviço no final do mês “poderia configurar uma violação do princípio do juiz natural” – uma garantia de que os casos são julgados segundo regras objectivas, evitando uma composição ad hoc de juízes.
este episódio é revelador de como está tensa a relação institucional entre governo e tc. no passado, conversas informais entre o executivo e o presidente do tc ajudavam a evitar situações como esta. “agora não acontece”, queixa-se um outro ministro.
no último sábado, depois do chumbo aos despedimentos no estado, passos coelho foi contundente na crítica à decisão. acusou os juízes de, na interpretação da constituição, terem tido uma visão restritiva, apontando-lhes falta de “bom senso”.
a tese é inteiramente partilhada na coligação, mas no psd e cds há quem considere que passos se devia preservar na contenda com o tc. esta semana, aliás, um membro do governo chamou discretamente a atenção para a necessidade de melhorar “o diálogo institucional” entre as duas partes. tratou-se de rui machete, ministro de estado e dos negócios estrangeiros, político experiente e, em acréscimo, pai de um juiz do tc, pedro machete (já em funções antes de o pai ir para o governo).
david.dinis@sol.pt, manuel.a.magalhaes@sol.pt e helena.pereira@sol.pt