imaginem que o tribunal constitucional dá um chumbo redondo às medidas-chave do governo (sim, esqueçam também por momentos se são boas ou más, justas ou injustas). simplesmente não há cortes de pensões, nem de salários. imaginem também que a troika suspende as avaliações e nos diz, ao país, que assim não dá.
parece um cenário distante, mas vejam bem o histórico do nosso memorando e dos outros em curso, onde houve de tudo isto. este é o argumento da troika: nestes campos são precisos ‘ajustamentos decisivos’ (expressão típica), porque eles valem 70% dos gastos do estado.
voltamos então ao pior cenário: o de os parceiros europeus não aceitarem financiar mais o país, alegando que a constituição impede um corte na despesa do estado que, com os altíssimos encargos com juros e fraco crescimento económico, torna o estado insustentável. e não aceitam financiar porque um segundo resgate de nada serviria – porque ele implicaria sempre mais medidas, e essas medidas passariam sempre por cortes em pensões e salários – que o tc não deixava passar.
para quem pense que este cenário é longínquo, acrescento-lhe dois pontos. primeiro: em todas as revisões o fmi faz dos cortes nas pensões e salários medidas estruturais. são questões-chave, portanto, para eles determinarem o sucesso do programa.
segundo: no início de 2012, precisamente quando tudo começou, um dirigente socialista confidenciou-me por que razão o ps não queria pedir a fiscalização desse orçamento: “se correr mal e se o governo cair, ninguém nos garante que a troika não nos vem exigir que mudemos a constituição”. o ps, sublinhe-se, não pediu essa fiscalização. mas deputados do partido, aliados ao bloco, fizeram-no.
a partir daí foi o que sabemos. os cortes nas pensões e salários chumbaram uma vez. depois outra vez. o governo mudou-os uma vez, vestindo-lhes outra roupa; agora insiste, pondo-lhes um chapéu mais sofisticado. na essência, é o mesmo: vai a novo teste na passarela, confiando que o júri já percebeu que não vai encontrar melhor vestimenta.
quanto ao ps, à segunda assumiu o combate constitucional, fazendo dele o principal vector da sua estratégia.
a teoria do medo
em psicologia, há uma teoria interessante sobre o instinto humano de evitar a dor (procurem por ‘pain avoidance model’). simplificando, ela diz que o medo da dor provoca uma retracção, que esta conduz a uma paralisação, que acaba por trazer a dor em maior escala – até que se é forçado a agir contra o medo para sair do ciclo vicioso.
apresentaram-me a teoria pela primeira vez esta semana. fiquei tão assustado que resolvi escrever esta crónica. na esperança de que escrever sobre um mal me liberte do medo. tenho esperança que sim.