Guionismo

Paulo Portas pode ter sido o guionista de serviço no Governo. Mas não conseguiu reinventar o argumento de um filme que já vai a meio.

serei claro: as 112 páginas (que são 37, num corpo normal de letra) são uma recauchutagem de ideias passadas deste mesmo governo. umas são válidas mas não terão efeitos práticos; outras são medidas para inglês ver. há também ideias ainda pouco definidas e algumas outras que podem fazer caminho. mas podem mesmo? a esperança é sempre a última a morrer.

ideias válidas

quantas vezes já ouvimos este governo falar da reforma do ensino superior e dos politécnicos, da reorganização dos laboratórios do estado, da reforma hospitalar, de uma nova vaga de contratos com as ipss? quantos meses passaram desde que ouvimos pela primeira vez a ideia de descentralizar serviços e competências do estado, de criar postos de atendimento únicos pelo país, substituindo serviços individuais?

quantas apresentações já ouvimos sobre a reforma das forças armadas, da justiça, do ensino profissional, da autonomia das escolas?

em quantos documentos já vimos a ideia de agregar municípios, de pôr civis à mesa de atendimento das polícias, de fixar um limite às prestações sociais (sim, isto é um corte) ou de impor um limite às pensões pagas pelo estado (sim, isto também)? ou mesmo de avançar com a concessão de empresas de transportes ou do sector das águas?

pela minha parte, o governo tem caminho aberto. não percebo se era preciso um guião para isto – mas se era, só peço agora que nos dispensem da história dos consensos e que não atirem para a próxima legislatura o que precisa de ser feito já. primeiro porque para fazer isto basta uma maioria; e depois porque não há tempo a perder. um ano assim chegou-nos perfeitamente. e o ajustamento já não pode esperar.

ideias novas

fora isto, sobra pouco do guião. há um simplex2 para as empresas, que me parece bem – o primeiro foi das melhores coisas que o país teve na última década. vêm também as start up’s, as business angels, a eficiência energética, os sempre eternos cortes nos ministérios e premac’s afins, a venda de património que ninguém quer comprar. há também uma revisão constitucional que serve para nota artística, uma mão cheia de coisas que se percebem mal (mas a essas dou o desconto). e, pior, umas medidas que me parece que vão dar mais prejuízo que poupança – como o cheque ensino, o plafonamento das pensões, a redução do irs.

o fim das ilusões

tentando ver isto tudo pelo lado positivo: o guião ainda pode ser bom, se servir de lembrete ao governo sobre o que ainda tem para fazer.

há outra coisa boa que se retira daqui: acabaram-se os heróis e as ilusões. está tudo identificado, tudo visto. sobra muita coisa para fazer, talvez mesmo com esta constituição.

sim, este governo é isto, não é mais. se nos der isto com um mínimo de coerência e a coragem necessária já é bem bom.

david.dinis@sol.pt