O terror tem um rosto

Em Junho de 2012, o Departamento de Estado norte-americano juntou Abubakar Shekau à sua lista de terroristas, como líder de um grupo chamado Boko Haram (BH). Homem e organização eram pouco mais do que nomes obscuros, embora o grupo extremista islâmico já se tivesse evidenciado em mortíferos ataques no Norte da Nigéria. Um ano depois,…

O terror tem um rosto

Implantado nos estados de Borno, Yobe e Adamawa, no Nordeste nigeriano, o grupo, cujo nome oficial se traduz em Pessoas Comprometidas com a Propagação dos Ensinamentos do Profeta e a Jihad, ficou conhecido como Boko Haram: na língua hausa significa a educação ocidental é proibida, o que resume a ideia de uma formação que se insurge contra o que apelida de valores ocidentais, como o direito à educação para as mulheres.

Fundado em 2002 por Mohamed Yusuf, em Maiduguri (capital do estado de Borno), o BH começou por pregar a criação de um Estado islâmico no Norte, regido pela sharia. A pobreza da população, em comparação com o Sul cristão e mais rico, era uma das bandeiras para acicatar ódios e lançar acusações de corrupção.
Quando Yusuf passou das palavras aos actos, atacando em 2009 polícias e edifícios públicos em Maiduguri, a resposta das autoridades foi brutal: o líder e outros 800 seguidores morreram. O fim do Boko Haram era anunciado – prematuramente.

O n.º 2 do comando, Abubakar Shekau, que estará na casa dos 40 anos e estudou teologia, assumiu a liderança e terá casado com uma das viúvas de Yusuf, encarregando-se dos seus filhos. Mais radical e letal, lançou uma campanha de ataques contra cristãos, muçulmanos, autoridades, escolas e outros edifícios públicos. A Amnistia Internacional cifra já em dois mil os nigerianos mortos pelo BH, só em 2014.
Com bases na floresta de Sambisa, junto à fronteira camaronesa, atacam de modo fulminante, em colunas de motas, camiões e fortemente armados. Especula-se que vários cidadãos franceses raptados no ano passado pelo BH apenas tenham sido libertados mediante o pagamento de elevados resgates, que serviriam para comprar armas – mas Paris e Abuja não confirmam. 

As populações de Yobe e Borno foram as mais afectadas – ainda na semana passada o BH chacinou 375 pessoas em Gamboru Ngala. “A nossa gente está a morrer como moscas”, desabafou o governador de Borno ao New York Times. O BH já teve sucesso em atentados à bomba na capital do país, revelando mais ousadia e novos conhecimentos nas artes bélicas. 

Os militares não escapam às críticas. Alguns oficiais reconheceram, sob condição de anonimato, a falta de preparação e equipamento das tropas, que até se amotinaram por medo de enfrentar o BH.
Na semana passada, a Amnistia Internacional acusou as autoridades de terem sido avisadas, pelo menos quatro horas antes, da chegada do BH a Chibok, onde mais de 200 alunas seriam raptadas. “Um oficial disse que não conseguiu mobilizar reforços”, avançou a organização. 

O Presidente Goodluck Jonathan também não foi poupado: nem pelos governadores dos estados nortenhos, que são da oposição, nem pela população em geral. O estado de emergência decretado há um ano em Borno, Yobe e Adamawa apenas multiplicou os ataques dos terroristas. E sobre o rapto das alunas de Chibok, na noite de 14 de Abril, o PR apenas se pronunciou publicamente a 4 de Maio, quando meio mundo já se insurgia contra o sequestro e as redes sociais fervilhavam com a campanha #BringBackOurGirls.

O BH, considerado um 'problema do Norte', tornou-se definitivamente um 'problema nacional'. A edição africana do Fórum Económico Mundial, em Abuja, na semana passada, foi eclipsada pelo rapto. E pôs a nu as fragilidades da maior economia (e maior produtor de petróleo) do continente, comprovando que o crescimento não chega a todo o país.
EUA, Reino Unido, França, China e Israel voluntariaram-se para ajudar. Os americanos enviaram peritos em contraterrorismo e aviões de vigilância que sobrevoam a área – sem resultado.

Alunas como moeda de troca 

Dados da Polícia nigeriana somam 223 alunas raptadas, mais 53 que conseguiram escapar. Depois de, a 5 de Maio, Abubakar Shekau ter chocado o mundo num vídeo em que garantia que ia vender as jovens, o líder do BH reapareceu em novas imagens, uma semana mais tarde. Mais de uma centena de raparigas foram filmadas, trajadas segundo tradição muçulmana com o hijab, a recitar o Alcorão: o líder diz que se converteram. 

Shekau disponibilizou-se a trocá-las por presos do BH: “Jamais as libertaremos antes de vocês libertarem os nossos irmãos”.

Negociar com os terroristas é opção? Os que respondem afirmativamente vêem uma oportunidade de salvar a vida das jovens. Mas segundo um dirigente britânico que reuniu com Goodluck Jonathan, o Presidente não tem intenção de trocar alunas por terroristas presos, embora não descarte o diálogo com Abubakar Shekau, o mais recente rosto do mal – e o mesmo homem que em 2012, após um ataque em Kano, a maior cidade do Norte do país, avisou num vídeo: “Divirto-me a matar qualquer pessoa que Deus me mande matar, da mesma maneira que aprecio matar galinhas e carneiros”.
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