No dia em que completava seis meses de vida, Marinho e Pinto embarcava com os pais – um alfaiate e uma doméstica que aos 26 anos decidiram emigrar – para o Brasil. Há três anos, a filha Marisa tomou a mesma decisão, levando os três netos do advogado. No final dos anos 50, o pai dissera-lhe «Portugal não tem futuro para nós». Em 2011, a filha repetiu a mesma frase. «Um murro no estômago» para Marinho e Pinto, que em função disso decidiu candidatar-se às eleições Europeias. A vitória de dia 25 foi-lhes dedicada.
Nascido em Vila Chã do Marão, Amarante, a 10 de Setembro de 1950, só aos 14 anos regressou a Portugal com a mãe. O pai nunca regressaria do Brasil. Foi de lá que lhe enviou uma dura carta quando Marinho e Pinto foi detido, com 20 anos, pela PIDE. A estudar Direito em Coimbra, pertencia ao MDE (Movimento Democrático Estudantil), grupo de luta contra a ditadura, e foi preso quando a polícia política do regime cercou a Associação Académica durante uma acção de apoio a dois membros do MPLA.
Marinho resistiu e passou dois meses na prisão de Caxias, 34 dias em isolamento. «O meu pai tinha um grande orgulho por ter um filho a estudar em Coimbra, mas o filho saiu-lhe comunista», disse Marinho e Pinto, numa entrevista ao jornal i. Admirador de Salazar, o pai pediu-lhe para escolher entre a política e os estudos. Estiveram sem se falar durante 17 anos. Em 1986, o advogado regressou ao Brasil para fazer as pazes. «Caímos nos braços um do outro, ele a culpar-se a ele, eu a culpar-me a mim. Ficámos com uma amizade muito forte até à morte dele, em 2003».
Quando sai da prisão, em 1971, começa a fazer biscates, chegando a trabalhar na cantina da Universidade. Em 1974 interrompe o curso e até 1978 dá aulas no ensino preparatório e secundário de Português, Filosofia, Literatura e Introdução à Política. É despedido e torna-se jornalista, integrando a ANOP (Agência Noticiosa Portuguesa) e mais tarde a Agência Lusa. Três anos depois é despedido, «por razões políticas». E vai acabar o curso de Direito.
Manteve uma carreira activa como docente universitário, a partir de 1994, e teve uma breve passagem por Macau como assessor jurídico e de comunicação do Governo. No regresso a Portugal torna-se jornalista do Expresso e não larga o jornalismo até se tornar bastonário da Ordem dos Advogados, em 2007. Apesar de ter falhado a primeira eleição, em 2004, acaba por cumprir dois mandatos. É como bastonário que vive os momentos mais polémicos da carreira. O estilo frontal não agrada a todos. ‘Populista’, acusam os adversários. ‘Sem papas na língua’, dizem os apoiantes. Um homem que gera ódios e paixões. Polémico? «Paciência! A verdade por vezes incomoda muito», respondeu Marinho e Pinto aos jornalistas, ao ser confrontado com a gravidade das críticas que havia feito a magistrados.
Guerras e acusações
A troca de acusações com Manuela Moura Guedes, durante um telejornal da TVI, ficou na memória dos portugueses. Moura Guedes chamou-lhe «bufo», referindo-se a declarações de Marinho e Pinto sobre a existência de advogados que ajudam os clientes a cometer crimes. O bastonário não gostou – bufos eram os que faziam denúncias à PIDE, disse numa entrevista – e acusou a apresentadora da estação televisiva de «envergonhar a classe jornalística» e de violar diariamente o código deontológico.
As guerras com a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, também foram recorrentes. Chegou a compará-la a uma «barata tonta» que não sabe o que faz, uma «traiçoeira em quem não se pode confiar». Manifestou-se contra a reforma do mapa judiciário iniciada pelo Governo: «O povo do interior tem direito à Justiça e não pode aprovar uma reforma que é feita pelos betinhos e betinhas, de Lisboa, que estão no Governo e que estão a desrespeitar estas populações».
Outra polémica em que se envolveu foi a discussão, no Prós e Contras da RTP, sobre a co-adopção por casais gay. Marinho e Pinto insistiu que «a natureza instituiu um pai e uma mãe» e que «mãe há só uma» e referiu que há um lobby LGBT a condicionar decisões do Estado e a comunicação social.
Enquanto bastonário granjeou muitos inimigos. A primeira polémica estalou logo durante a campanha para a Ordem, quando Marinho e Pinto estabeleceu que exerceria a função a full-time e receberia seis mil euros, algo nunca antes visto na Ordem. A questão foi levada ao Tribunal de Contas, que disse não ter competência sobre a matéria. Viveu sempre em Coimbra e durante a semana ficava num hotel em Lisboa, pago pela Ordem.
Marinho e Pinto mostrou-se contra os sindicatos de juízes, o facto de os juízes iniciarem a u carreira demasiado novos, os deputados que também são advogados e tentou condicionar o acesso à profissão de advogado, através de exames restritos para quem saía das faculdades. Teve contra si juízes e estudantes.
Foi acusado de fazer fretes ao Governo de José Sócrates quando defendeu que o caso Freeport nasceu de um «cozinhado político-jornalístico» e que o poder judicial estaria empenhado em «derrubar» o ex-primeiro-ministro. Atacou o Ministério Público, que disse ter uma «agenda política por trás». Na noite eleitoral, Sócrates elogiou o advogado – «um candidato com um discurso sofisticado». Marinho e Pinto não se importa com as acusações: «As pessoas que me atacam pessoalmente não me conhecem, porque dão-me mais determinação».
Uma ‘formiguinha’ em Bruxelas
Teve uma educação religiosa , o que o levou ao Direito. «Fiquei impressionado com o julgamento de Cristo. Faltou-lhe um advogado de defesa», disse em entrevista à revista Sábado. Mas não acredita em Deus. Nem tem medo da morte. Aprendeu com um familiar que o homem não deve ter medo «nem do diabo, nem da morte. Do diabo, porque senão vai parar ao inferno, e da morte, porque senão anda sempre a morrer todos os dias um bocadinho», lembrou ao Expresso.
A popularidade do ex-bastonário também foi construída com presenças habituais em programas de televisão, como o Você na TV, nas manhãs da TVI ou o Justiça Cega, na RTP Informação. Uma visibilidade preciosa na hora de fazer campanha para as Europeias, já que a projecção dos partidos pequenos foi diminuta. «Gosto muito de o ouvir na TV», «Que prazer em conhecê-lo», iam dizendo várias pessoas por quem passava nas iniciativas de campanha.
Na adolescência, Marinho e Pinto pensou ser piloto na Força Aérea, impulsionado pela banda-desenhada do Major Alvega, Saint-Exupéry e André Malraux. «Mas foi passageiro. Aceitei que não tinha jeito para herói», disse ao i. Acabou no entanto por sê-lo para o Movimento Partido da Terra (MPT) que nunca numa eleição tinha tido mais que 0,6%, e conseguiu alcançar os 7,14% com quase 235 mil votos.
Marinho e Pinto assume-se como um homem de esquerda: foi da União de Estudantes Comunistas antes do 25 de Abril mas saiu em 1973. Já votou em quase todos os partidos, menos no CDS, e diz que o PCP foi o partido no qual mais votou. Foi o próprio que se propôs ao MPT para concorrer como candidato. O partido de raiz humanista, fundado em 1993 pelo arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, assumiu o lema do advogado: «Liberdade, Justiça, Solidariedade».
Durante a campanha, o candidato prometeu ser uma «formiguinha» em Bruxelas e distanciou-se sempre da classe política, a qual criticava pelo esbanjamento, corrupção, ganância de poder e carreirismo político. Foi acusado de populismo. «A única promessa que faço é que não deixarei de ser quem sou. Eu não vou mudar», garantia a um feirante, em Carcavelos. Pouco tempo antes da apresentação da candidatura, em entrevista ao i, tinha admitido sair do Parlamento Europeu – «se entender que sou mais útil na Assembleia da República ou noutros locais» – e já depois de ter sido eleito, em entrevista ao Diário de Notícias, não fechou a porta a uma candidatura a Belém.
Em 2012, Marinho e Pinto dizia que tinha o sonho de acabar a vida a cultivar, em Amarante, «sobretudo árvores bíblicas», videiras e oliveiras, deixadas pelo avô, as quais queria partilhar com os netos. Será um sonho adiado. Primeiro, quer aventurar-se em novos voos na política.