Um dos pontos fulcrais é o ponto 32 do acórdão. O PS, no seu pedido de fiscalização, tinha argumentado que não seria necessário aumentar os cortes sobre salários, pensões e subsídios de desemprego e doença, porque o Governo havia este ano reduzido o IRC. “Este é um argumento estritamente político. O tribunal não pode conhecer um argumento político. Mas fá-lo”, diz Pereira da Silva.
Na passagem a que o constitucionalista se refere, o TC diz o seguinte: “De vários quadrantes políticos se advoga um mix de políticas públicas, nesta matéria, conjugando medidas de austeridade com medidas potenciadoras do investimento e da retoma de um nível de consumo interno propiciador de crescimento económico”.
Pereira da Silva reforça que, ainda que o TC não considere o argumento do PS determinante, o facto de o admitir é significativo. E a comparação entre a baixa do IRC e o corte de salários e reformas é “a mesma coisa que dizer que os pobres sofrem enquanto os milionários aumentam”.
O segundo ponto fulcral que demonstra a entrada do TC em terreno político é o que aponta que “medidas de incidência universal – como são as de carácter tributário – oferecem melhores garantias de fugir, à partida, a uma censura decorrente da aplicação do princípio da igualdade” (ponto 43).
‘TC prisioneiro’
Pereira da Silva acrescenta que o acórdão tem incongruências que mostram um “TC prisioneiro da linha de rumo que tem vindo a seguir”. Quando em 2013 declarou a inconstitucionalidade dos cortes nos subsídios de doença e desemprego, fê-lo devido à falta de uma cláusula de salvaguarda, que protegesse os mais pobres. Mas agora vem dizer que os próprios cortes são inconstitucionais. “Há uma razão escondida: o TC não podia impedir cortes de 2,5% nos salários da Função Pública e permitir cortes de 5% e 6% nos subsídios”, considera Pereira da Silva.
Também Tiago Duarte, docente da Universidade Nova, escreveu no Diário Económico que “que algo está mal” no acórdão “quando a vice-presidente e única constitucionalista de formação presente no TC escreve que se afasta radicalmente da sentença, porque da mesma não se pode extrair qualquer critério material perceptível que confira para o futuro uma bússola orientadora dos limites (e dos conteúdo) da sua própria jurisprudência”. O voto de vencida de Maria Lúcia Amaral (ver texto em baixo) municiou a argumentação do Governo, sobre “a imprevisibilidade do acórdão”. O TC empurra o país para o aumento de impostos e não dá pistas sobre os cortes da despesa admissíveis – sustenta esta tese.
Também o constitucionalista Vital Moreira, do PS, criticou o acórdão, que diz ter recebido sem “grande surpresa”. Em tom irónico agradece, “como funcionário público”, “o desvelo e a cortesia” pela protecção a direitos adquiridos, para de seguida atacar a desigualdade de tratamento atribuída ao sector privado.