Constitucionalistas ouvidos pelo SOL explicam que nem a nova CES (Contribuição Extraordinária de Solidariedade) – ainda em análise no Palácio Ratton – nem a reintrodução dos cortes salariais que deverá ser enviada para fiscalização preventiva são à prova de bala. Ambas podem ser travadas pelo TC.
Mudança de juízes pode ditar chumbo da CES
A próxima dor de cabeça do Governo deverá ser a CES, incluída no Orçamento Rectificativo e que vale 230 milhões de euros. “O TC pode usar uma argumentação semelhante à deste último acórdão para chumbar o agravamento dos cortes dos salários”, avisa o constitucionalista Tiago Duarte, lembrando que também neste caso há um agravamento da austeridade, já que as pensões passam a ser cortadas acima dos mil euros e não dos 1.350 euros.
“Nem fazia sentido que fosse possível cortar pensões e não salários”, comenta o professor de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que alerta para um histórico de votações que não é favorável ao Executivo. “No ano passado, a CES passou por sete votos contra seis. Dois dos juízes que votaram a favor foram entretanto substituídos por conselheiros que têm demonstrado posições contrárias às medidas de austeridade”, aponta.
“Não me surpreenderia a inconstitucionalidade da CES, mas não há critério”, comenta, por seu turno, o especialista em Direito Constitucional Jorge Pereira da Silva, que não vê como pode o TC “ter uma régua para dizer a partir de que valor certo a CES é inconstitucional”. A única certeza de Pereira da Silva é que “o TC tem, de acórdão para acórdão, aumentado o grau de exigência, e quanto mais longe o período de aperto financeiro, mais o Tribunal se tem sentido à vontade para declarar as medidas inconstitucionais”.
A forma como o Governo reintroduzirá os cortes salariais aplicados por José Sócrates em 2011, ao mesmo tempo que programa a reposição salarial progressiva até 2019, foi desenhada por Maria Luís Albuquerque para minimizar o risco de chumbo. Mas os constitucionalistas ouvidos pelo SOL têm dúvidas de que a promessa de restituição dos cortes possa ser suficiente para que a medida passe no crivo do TC.
“O risco de chumbo é menor do que o dos cortes que foram chumbados, mas não é 100% isento de risco”, conclui Tiago Duarte. O jurista admite que “o Governo tem tentado ir ao encontro das preocupações do TC, na questão do valor e na transitoriedade”, mas recorda que os conselheiros têm vindo a alertar para a necessidade de encontrar alternativas aos cortes de salários e pensões.
Já Jorge Pereira da Silva acredita que a estratégia do Executivo de deixar clara a transitoriedade dos cortes pode ajudar a que a medida passe, mas corrobora que nada está garantido. “O plano de reposição dos cortes é uma mera intenção do legislador, sem expressão normativa imediata” – frisa, explicando que isso pode ser suficiente para que o TC, agora que acabou o plano de assistência financeira, não aceite a continuação dos cortes. “Há um grau de incerteza”, reconhece.
E a incerteza é ainda maior porque no último acórdão a argumentação para o chumbo foi sustentada em torno do valor dos cortes – por começarem nos 650 euros, valor considerado “exíguo” pelos juízes. “Não há uma decisão sobre a constitucionalidade dos cortes em si”, lembra Tiago Duarte.
Há apenas uma medida já em análise no TC que os constitucionalistas acreditam que não deverá chumbar: o aumento dos descontos para a ADSE. “É um sistema voluntário, não faria sentido um chumbo”, assegura Pereira da Silva.