A reestruturação da dívida pública está em curso, mas longe dos holofotes. A estratégia do Governo passa por continuar a renegociar o alargamento de prazos e juros, no quadro europeu e sempre de forma a que Portugal não apareça sozinho a tomar a iniciativa de pedir melhores condições.
A táctica ficou clara no Conselho de Estado da semana passada, quando Passos Coelho e António José Seguro debateram o tema, deixando evidente o que os une e o que os separa.
Se Seguro quer avançar para um processo de renegociação, tomando a iniciativa de procurar apoios na Europa, Passos prefere continuar o rumo que tem vindo a ser seguido pelo Governo e que já permitiu a Portugal renegociar a dívida cinco vezes nos últimos três anos (ver texto em cima). Uma opinião que também foi minuciosamente explicada e corroborada pelo conselheiro Vítor Bento.
«É uma diferença de tempo, de modo e de publicidade», observa um conselheiro de Estado, explicando que Passos não se vai antecipar à Europa no pedido de melhores condições para o pagamento dos empréstimos. E essa é «uma grande diferença», entre o que pensam Passos e Seguro, aponta outra fonte.
Certo é que, no meio da discussão sobre a dívida, alguns pontos geraram consenso. «Ninguém achou que fosse tabu a renegociação, mas também ninguém defendeu uma renegociação global, que abarque a dívida a privados ou a tranche do FMI», assegura ao SOL um conselheiro, que acredita que as grandes diferenças entre Passos e Seguro nesta matéria se devem ao facto de o líder do PS estar já em período pré-eleitoral. «Qualquer que for Governo, fará o mesmo: encontrar aliados na Europa para que o problema seja tratado, sem criar problemas aos mercados». E é isso que Passos está a fazer: «Renegociar sem se pôr aos gritos na praça pública».
Mas esse é um ponto que faz toda a diferença. «Seguro quer tomar a iniciativa, Passos opõe-se», resume uma fonte que esteve presente na reunião convocada por Cavaco Silva para discutir o pós-troika, lembrando que as divergências entre conselheiros sobre esta matéria foram suficientemente relevantes para que a questão da dívida não constasse do comunicado final do Conselho de Estado.
Outro conselheiro observa, de resto, que «conseguir condições melhores é praticamente impossível», tendo em conta que Portugal já beneficia de juros de 1,9% na tranche europeia do empréstimo e que os estatutos do FMI não permitem a renegociação de prazos e juros.
Proposta radical sob chuva de críticas
Esta semana, a proposta de reestruturação apresentada por um grupo de economistas encabeçado por Francisco Louçã e pelo socialista Pedro Nuno Santos foi rapidamente posta de lado, tanto pelo Governo como pela Europa.
Em Bruxelas, a Comissão Europeia fez declarações recusando sequer debater o tema, dizendo que não vai «especular» sobre uma proposta tão radical que reduz a dívida de 130% para 74% do PIB, adiando o início do pagamento aos credores para 2045 – actualmente a data fixada é 2025 – e fazendo com que a banca assumisse as perdas nos empréstimos públicos e reestruturasse as suas dívidas. A ideia implicaria, por exemplo, que só os depósitos abaixo dos 100 mil euros ficassem garantidos, estando os restantes sujeitos a uma desvalorização na ordem dos 34% e levaria também o Estado a tornar-se o maior accionista individual dos bancos, já que o Fundo de Garantia de Depósitos receberia – em troca de assegurar os depósitos – acções que entregues ao Estado.
Perante estas ideias, levantou-se um coro de críticas. «Não faz sentido vir agora especular e trazer incerteza», reagiu o ministro Poiares Maduro, ao mesmo tempo que economistas da área do PS atacavam também a proposta. O antigo ministro das Finanças de Sócrates, Luís Campos e Cunha, considerou «absurdo» pôr a hipótese e Vital Moreira classificou a ideia como «uma ficção» que nenhum Governo poria em prática. «A proposta que aqui é feita é quase a de virmos a fechar o país face ao exterior», comentou Teixeira dos Santos na Económico TV.
Esta semana foi ainda marcada pela solução de economistas ligados ao PS que acham possível cumprir o Tratado Orçamental – reduzindo 0,5% do défice –, mas flexibilizando a meta dos 2,5% previstos em 2015 para 2,9%, poupando ao país 700 milhões de euros de austeridade.
Flexibilizar metas está fora de questão
A ideia foi avançada por Óscar Gaspar, um dos conselheiros económicos de Seguro, mas é descartada pelo Governo e por Bruxelas. «O Ministério das Finanças mantém os objectivos propostos», comenta ao SOL fonte oficial do gabinete de Maria Luís Albuquerque – mensagem idêntica à que saiu do Ecofin, esta terça-feira, onde se reafirmou que as metas estabelecidas por Portugal são para cumprir.