PSD-Madeira dividido no Chão da Lagoa

No Chão da Lagoa vale tudo. Em mais de 35 anos de festas, Alberto João Jardim já chamou mafioso a Guterres e mentiroso a José Sócrates. Este ano, deverá ser o último de Jardim enquanto líder do PSD-Madeira. Há cinco candidaturas à sucessão e todas marcarão presença para ‘contar espingardas’. 

PSD-Madeira dividido no Chão da Lagoa

O PSD-Madeira realiza a sua festa anual no próximo domingo, 27 de Julho e Alberto João Jardim deverá aproveitar para se despedir do planalto. A edição deste ano será, porventura, a “mais sentimental” de sempre, reconheceu, esta semana, o membro do secretariado do partido, Carlos Machado.

Este ano, para assinalar o 40.º aniversário do PSD, o partido preparou uma exposição retrospectiva que estará patente na ‘Festa da Autonomia e da Liberdade’, na Herdade do Chão da Lagoa.

“Nenhuma obra humana é perfeita, mas todos os Homens e Mulheres de boa vontade sabem reconhecer o que estes quarenta anos significaram para o nosso arquipélago, como documentará a exposição a ser aí visitada”, revela uma das conclusões do último conselho regional do partido.

“A Festa do Chão da Lagoa é expressão de força em prol de uma Autonomia Política que exigimos mais alargada e sem submissões coloniais”, acrescenta. “É autonomista e simultaneamente patriótica. É contra o separatismo e contra o colonialismo em que aquele assenta”.

Num artigo de antevisão da festa, no órgão oficial do partido, no mensário ‘Madeira Livre’ de Julho, Jardim deixou a tónica discursiva para a festa: “O ridículo da ‘classe política’ de Lisboa”; “mercenários locais cúmplices do colonialismo”, a dita “Madeira Velha”; a “obstaculização anti-democrática” da criação de partidos regionais; a desmontagem da falácia de que a Madeira é despesista (admite-se uma alusão ao estudo ‘Deve e Haver’ e à proposta de revisão constitucional apresentada pela Madeira); e a afirmação do conceito de “coesão nacional” em detrimento do conceito de “integridade nacional”.

Com a sucessão de Alberto João Jardim ao rubro, a expectativa deste ano é saber se a festa anual do PSD-M contribuirá para uma clarificação dos candidatos que vão a jogo nas eleições directas marcadas para 19 de Dezembro e no congresso de 10 de Janeiro de 2015. Estão na corrida Miguel Albuquerque (o único que, até agora já formalizou a candidatura), João Cunha e Silva, Manuel António Correia, Miguel de Sousa e Sérgio Marques. 

O secretário-geral do PSD-M, Jaime Ramos também não descarta a hipótese de ir a votos. Se o fizer será apenas para a liderança do PSD-M deixando caminho aberto para outro candidato à presidência do Governo Regional. As eleições regionais estão previstas para o fim do Verão de 2015 mas poderão ser antecipadas.
Este ano, no Chão da Lagoa, o artista-mor nem é Mickael Carreira é, ainda e sempre, Alberto João Jardim cuja imagem de marca, de braços abertos, já aparece em placards espalhados pela ilha. 

Há também alguma expectativa sobre se o partido consegue ser mobilizador. Relembre-se que, nas últimas Autárquicas (2013), 7 das 11 Câmaras da Madeira passaram para a oposição. No último escrutínio (Europeias), o PSD-M, ainda que coligado com o CDS, obteve pouco mais de 30% do eleitorado. Longe das vitórias esmagadoras de outros tempos.

A festa do insulto

Desde 1978, ano em que o partido iniciou as festas de Verão, Jardim já atacou tudo e todos, muitas vezes com adjectivos que geraram tempestades políticas, pedidos de demissão e de intervenção do Presidente da República.

Tudo começou em 1975, no Parque de Santa Catarina, em pleno 'Verão quente', com a reivindicação: “o dinheiro dos madeirenses para os madeirenses”. 

Nas festas anuais do PSD-M, Jardim já disse de tudo. Chamou “efeminadas” às tropas portuguesas, “bandalhos” aos socialistas (1992), “mafioso” a Guterres (1999) a quem prometeu um “pontapé no traseiro” e denunciou os “colaboracionistas” madeirenses, “gente sem calças e de rabo para o ar, virado para Lisboa”.
As festas 'laranja' são o palco privilegiado de Jardim para mandar recados a Lisboa.

Independentemente do momento político e da cor de quem lidera o Governo da República, as ‘farpas' são sempre para os “senhores de Lisboa”. E os ‘mimos’ não se ficam pelos políticos.

Em 1978, no Paul da Serra, as Forças Armadas foram consideradas “efeminadas” pelo líder do PSD/M.
A ameaça da independência da Madeira é um ‘habitué’. No Fanal, em 1988, chegou-se a comparar as pretensões da Madeira com as de Timor-Leste em relação à Indonésia.

Em 1993 o arraial passou a realizar-se sempre no Chão da Lagoa. Nesse mesmo ano, embora perdendo protagonismo para o 'lapsus linguae' de Jaime Ramos -'Contra Lisboa, contra Portugal!'-, Jardim não poupou Cavaco Silva, então líder do seu partido e do Governo da República.

Durante os governos de António Guterres os discursos subiram de tom. Desde prometer um 'pontapé no traseiro' até chamar ao primeiro-ministro 'mafioso', valeu tudo.

Os três lobies que dominavam a capital (comunicação social, gays e droga) foram teorizados por Jardim em 1999.

Lisboa como alvo

Em matéria de discursos, os últimos anos foram dos mais agressivos. A classe política de Lisboa passou a ser o alvo principal, sem distinções partidárias.

Em 2004, com Durão Barroso a caminho de Bruxelas deixando como sucessor Santana Lopes, o discurso inflamado do Chão da Lagoa apelou a um “novo cerco de Lisboa” protagonizado por movimentos distritais de todo o país. O objectivo era acabar com uma classe política “medíocre”.

O 'discurso de Estado' de 2005 foi uma excepção. Em 2006 voltou a falar de "colaboracionistas" de Lisboa (o inimigo local). Membros da oposição e jornalistas que, segundo Jardim, estão "de calças em baixo e de rabo para o ar" ao serviço dos interesses do continente, de uns "maricas" que tudo fazem para prejudicar a 
Região.

Em 2007, com o então líder do PSD, Marques Mendes ao lado, Jardim manteve no palco o discurso moderado. Mas O “regime da mentira”, do senhor “Pinto de Sousa” (leia-se José Sócrates), foi o principal alvo.

Em 2008, Jardim considerou “um insulto” que Portugal fosse governado por José Sócrates, a quem classificou como o “grande inimigo da Madeira”.

Em 2009, o PND provocou os organizadores da festa ao erguer perto do recinto um zepelin que foi ‘abatido’ não se sabe por quem. Jardim atacou os alvos habituais: Sócrates, a oposição regional e a comunicação social. Sócrates foi acusado de mentir aos portugueses e de “não ter vergonha” de voltar a apresentar-se a eleições.

Em 2010, a festa mudou-se para a herdade da Fundação Social-Democrata mas manteve o nome ‘Chão da Lagoa’. Foi em 2010 que Jardim prometeu "resistir às leis de absurdas de Lisboa" e chamou “canalhas” aos que fizeram política com a tragédia de 20 de Fevereiro.

Em 2011, Jardim, referindo-se a Paulo Portas, afirmou: “Não falo de pessoas que não conheço”.

Em 2012, a festa realizou-se a 9 de Setembro, ao contrário do habitual mês de Julho. O adiamento deveu-se ao grande incêndio que ocorreu no Verão. Jardim focalizou o discurso na luta política interna que viria a travar com Miguel Albuquerque em Novembro de 2012 e que viria a ganhar pela margem mínima.

Em 2013, o candidato a líder do PSD-M, Miguel Albuquerque, ao contrário de anos anteriores, não discursou mas foi à festa e acusou Jardim de “prepotência”. Jardim, no discurso, atacou a classe política de Lisboa particularmente Paulo Portas que, no dizer de Jardim, depois de iniciar uma crise política, “teve o comportamento de um autêntico submarino”.