A polémica ordem dada pelo director-geral dos estabelecimentos escolares para que as escolas impedissem a entrada de sindicalistas na terça-feira, dia do exame de professores, é totalmente legal, garantem vários especialistas ouvidos pelo SOL. O que ameaça esvaziar a queixa-crime anunciada pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof) contra aquele director-geral, acusado de ter tentado impedir os plenários marcados para a hora do exame.
Com estes encontros, os sindicatos pretendiam arranjar forma legal de os professores que iam vigiar o exame poderem faltar, boicotando assim a prova de avaliação dos contratados que há tanto tempo contestam. Mas o Ministério da Educação e Ciência (MEC) baralhou-lhes o esquema e deu ordens às escolas para só deixarem entrar quem ia fazer ou vigiar o teste. O dia de terça-feira acabou por ficar marcado por manifestações de protesto, pela invasão de uma secundária e pela impossibilidade de 50 professores contratados fazerem o exame necessário para terem um lugar no próximo ano lectivo.
«O Ministério da Educação pode interditar as escolas pois estão em causa direitos fundamentais», defende o constitucionalista Paulo Otero, lembrando que as razões invocadas para a proibição do acesso no dia do exame foram o interesse público e o direito dos professores a realizar a prova em condições de tranquilidade. «Esta prova é essencial para a colocação dos professores», adianta. Também o constitucionalista Pedro Bacelar Vasconcelos diz que a tutela «tem competência e pode condicionar o acesso às escolas em nome do interesse público».
Mas Paulo Otero vai mais longe e considera que este pode mesmo ser um caso de «exercício sindical abusivo» porque as convocações dos plenários tinham como objectivo inviabilizar as provas. Isso «tornará muito difícil que algum tribunal lhes dê razão», remata.
A queixa-crime contra o director-geral José Alberto Moura Duarte foi anunciada na véspera da prova de avaliação por Mário Nogueira, da Fenprof, alegando que «inviabilizara direitos sindicais». O processo está a ser preparado pelos serviços jurídicos da estrutura, que vão invocar que as orientações «são um atentado à liberdade sindical e ao direito ao trabalho», explicou ao SOL a sindicalista Ana Cristina Martins.
Mas também o especialista em Direito Administrativo Cláudio Monteiro diz que «é legítima» a restrição da tutela à entrada nas escolas, pelo «justo receio de que as provas podem ser perturbadas pelas reuniões sindicais».
Com esta ordem, o Ministério da Educação tentou evitar que se repetisse o que aconteceu na primeira chamada da prova de avaliação de professores, em Dezembro passado, em que a greve convocada pelos sindicatos impediu 3.300 docentes de fazer o exame.
Agora a Fenprof alegou que nem sequer pode convocar nova paralisação por Nuno Crato ter marcado a prova com apenas três dias úteis de antecedência. Uma acusação que, segundo o constitucionalista Jorge Reis Novais, não faz sentido. «Neste caso os sindicatos não eram obrigados a apresentar pré-aviso. Só existe para dar tempo às entidades patronais e ao público de saberem que vai haver uma greve», explica Reis Novais, para quem a legitimidade da tutela fechar as portas aos sindicalistas não é clara.
Por estarem vários interesses em colisão – como o direito sindical e o direito a realizar o exame, entre outros – Bacelar Vasconcelos lembra que este é um «caso muito complexo». Segundo o especialista, a única hipótese da queixa dos sindicatos ter algum efeito é se se conseguir provar que os plenários não tinham como finalidade «perturbar as provas».
Averiguações em curso
Entretanto, apesar de o MEC ter dado aquela ordem de restrição do acesso, em várias escolas os plenários realizaram-se. O que pode originar agora averiguações disciplinares aos seus directores. «A não ser em caso de crime, os directores têm sempre de respeitar as ordens da tutela», adianta o especialista em Direito Administrativo Claúdio Monteiro.
A tensão foi tanta que, pelo menos na Escola Rodrigues de Freitas, no Porto, a tentativa dos funcionários para travar a entrada de manifestantes não foi suficiente para evitar uma invasão. E alguns acabaram por cair no chão quando os funcionários os tentavam impedir de seguir pelos corredores com megafones.
Noutros estabelecimentos, a ordem foi contornada com a transferência dos plenários para outras escolas do mesmo agrupamento, garantindo, assim, a tranquilidade dos que faziam exame.Em Lisboa, na Escola EB23 Quinta de Marrocos, a direcção arranjou outra alternativa para fazer cumprir a ordem da tutela e permitir os plenários: por uma porta entraram os professores que iam para o exame, por outra, os que se dirigiam aos encontros sindicais.
Professores também podem processar
O braço-de-ferro entre o MEC e sindicatos corre o risco de virar-se contra os seus protagonistas. Isto porque os docentes que, na terça-feira, não conseguiram fazer a prova podem também avançar para os tribunais. «Podem agir contra o Estado por não lhes ter garantido a realização da prova e contra os sindicatos por a terem inviabilizado», defende Paulo Otero, considerando que nesta acção de responsabilidade civil, os docentes podem exigir uma indemnização.
Oficialmente apenas numa escola – a secundária de Oliveira do Douro – 50 professores não conseguiram fazer a prova por não haver colegas que os vigiassem.
Já os sindicatos falam em mais de 200 professores prejudicados, alegando que houve três escolas em que a prova não foi feita.
O ministro Nuno Crato também se apressou a garantir que os docentes que foram impedidos de realizar a prova «não serão prejudicados».
Há ainda 3.300 professores que continuam sem fazer a prova e arriscam agora não ser colocados nos concursos, ficando sem direito a dar aulas no próximo ano lectivo.