"A subsistência, por mais três anos, de uma redução remuneratória que pode ser igual a 80% daquela que vem vigorando desde 2011, ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível aos trabalhadores pagos por verbas públicas, nada havendo de comparável que afecte outros tipos de rendimentos. Nesta medida, não é possível deixar de considerar que ofende o princípio da igualdade", lê-se no acórdão do Tribunal Constitucional (TC) sobre o diploma relativo aos cortes nos salários do sector público.
Insistindo que a norma garante apenas "uma redução salarial incerta, de percentagem decrescente absolutamente variável entre 80% da prevista para 2014 e zero, no período entre 2016 e 2018", os juízes do TC sublinham, contudo, que não "não se pretende, evidentemente, pôr em causa a boa fé ou a 'recta intenção' do Governo, que terá genuína vontade de que as coisas se passem como prevê".
"Não se formula um juízo subjectivo sobre a intenção do legislador, antes se verificando, simplesmente, que a norma não garante, por força da sua própria formulação, que as coisas se passem, inevitavelmente, como ela estabelece", referem.
No acórdão é ainda salientando que o prolongamento dos cortes nos salários do sector público acima dos 1.500 euros no período de 2016 a 2018 já não pode ser considerado uma resposta a uma "situação de emergência" do país.
"Perante a exigência de igualdade na repartição dos encargos públicos, não é constitucionalmente admissível que a estratégia de reequilíbrio das finanças públicas assente na redução da despesa por via da continuação do sacrifício daqueles mesmos trabalhadores", lê-se ainda no acórdão.
Relativamente aos cortes nos salários no sector público previstos para 2015, com uma reversão de 20%, os juízes conselheiros reconhecem que, embora as expectativas de uma melhoria na situação remuneratória podem ser admitidas como legítimas, isso "não implica necessariamente que essas expectativas, para poderem ser satisfeitas, incorporem um regresso aos níveis salariais de 2010, logo em 1 de Janeiro de 2015".
"No ano de 2015, não só perduram ainda os efeitos do Plano de Assistência Económica e Financeira (…) como ainda se faz sentir o efeito do procedimento de défice excessivo. A consequência lógica destas circunstâncias, que acentuam a relevância do interesse público subjacente, é que as reduções remuneratórias previstas para 2015 ainda se contêm nos limites da confiança protegida", lê-se no acórdão.
O TC considerou constitucionais os cortes salariais no sector público em 2014 e 2015, mas declarou inconstitucionais os referentes aos anos de 2016 a 2018.
O TC também considerou inconstitucionais duas normas do diploma que cria a contribuição de sustentabilidade da segurança social por "violação do princípio da protecção de confiança". Este chumbo abre um 'buraco' de 372 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2015, segundo contas do Governo.
O TC decidiu ainda não analisar a nova fórmula de actualização anual de pensões por "não dispor de elementos que lhe permitam caracterizar os fundamentos do pedido".
A fiscalização preventiva dos diplomas do Governo relativos à contribuição de sustentabilidade e à reintrodução de cortes nos salários do sector público acima dos 1.500 euros tinha sido pedida pelo Presidente da República.
Lusa/SOL