Mar da morte

Desembarcam na Líbia ou no Egipto a troco de dois mil dólares e sujeitam-se. Na melhor das hipóteses são recolhidos pela Marinha italiana, na pior têm o Mediterrâneo como cemitério. A rota marítima de migração ilegal para a Europa não é nova, mas o trânsito tem aumentado exponencialmente, graças às guerras em vários países e…

Mar da morte

Só nos primeiros quatro meses do ano chegaram às costas italianas 8.500 migrantes, dez vezes mais do que no mesmo período de 2013. E o número de mortos também cresceu. Se em 2013 calcula-se que 700 pessoas perderam a vida, neste ano já são cerca de 3.000. 

A novidade é que aos refugiados de guerras, como os sudaneses e eritreus, entre outras nacionalidades subsaarianas, e os sírios, se juntam palestinianos, egípcios e líbios. Segundo o escritório de Roma da Organização Internacional para as Migrações (OIM), 2.890 palestinianos deram entrada em Itália. “Este número começou no Verão, é uma nova tendência, provavelmente relacionada com o conflito de Gaza. Por outro lado, temos informações de que há egípcios a fazerem-se passar por palestinianos, porque estes não podem ser repatriados”, comenta ao SOL Joel Millman, da OIM. E conta terem recebido inúmeros emails e telefonemas de palestinianos que temem pelos familiares e amigos, ao saberem da notícia do recente naufrágio em que terão morrido cerca de 500 pessoas.
 
Assassínio em massa

Foi na Sicília que dois palestinianos, de 33 e 27 anos, salvos da mais recente tragédia no Mediterrâneo, deram a saber ao mundo o que se passou. A história foi corroborada pelos restantes sobreviventes (oito, incluindo uma menina de dois anos), recolhidos por outras embarcações e levados para Malta e Creta. Um barco de traficantes (palestinianos e egípcios) investiu contra outro que levava os migrantes, após a recusa dos passageiros em fazerem um transbordo para uma embarcação mais pequena (o que já tinham feito por três vezes).

As testemunhas adiantam que o capitão que levava os migrantes também se negara num primeiro momento a fazer a operação, mas os traficantes ameaçaram matar a sua família. Segundo os sobreviventes, estariam umas 300 pessoas no convés inferior, as quais terão morrido de imediato. Das restantes, algumas conseguiram ficar à tona agarrando-se a destroços ou graças aos coletes de salvação. Mas a maioria não resistiu quando o vento e a ondulação aumentaram de intensidade, terminando da pior forma uma desesperada aventura iniciada no dia 6 no porto de Damieta, no Egipto.
“É o exemplo mais extremo, mas não é totalmente novo. Já ouvimos relatos da Líbia, de casos de pessoas que foram torturadas, agredidas ou que acabaram por morrer devido à inalação de fumos por estarem junto do motor”, diz Joel Millman. Este ex-jornalista do Wall Street Journal vê pontos de contacto nesta forma de agir dos criminosos com uma realidade que cobriu, os gangues mexicanos que transportam ilegais para os Estados Unidos e depois os detêm em casas, exigindo resgates. “Os criminosos são cada vez mais cruéis”, crê o norte-americano.

Noutro naufrágio, sem relação, na costa da Líbia, terão morrido cerca de 160 migrantes no domingo. Não há dados oficiais, mas jornalistas e ONG apontam para um número tão redondo quanto macabro: desde 2000 terão morrido 25 mil pessoas a tentar entrar na Europa. 

Nova pasta em Bruxelas

É neste contexto que a nova Comissão Europeia criou a pasta da Migração e Assuntos Internos. Jean-Claude Juncker nomeou o grego Dimitris Avramopoulos para o cargo e dele espera uma nova política de migração legal e também uma estratégia mais eficaz no combate às redes de tráfico humano e na cooperação com os países de origem. 

cesar.avo@sol.pt