Golpe em Pyongyang? Ninguém sabe de Kim Jong-un há mais de um mês

Sexta-feira pode ser um dia decisivo para a Coreia do Norte. O regime estalinista assinala 66 anos, e o decorrer das cerimónias oficiais deverá resolver ou adensar o mistério em torno do paradeiro do actual líder Kim Jong-un. 

Golpe em Pyongyang? Ninguém sabe de Kim Jong-un há mais de um mês

Desde 3 de Setembro que o ditador não é visto em público. A imprensa internacional e os observadores regionais, incluindo o Governo sul-coreano, colocam dois cenários em cima da mesa: ou o filho de Kim Jong-il enfrenta uma crise de saúde, ou então o jovem líder terá sido derrubado pela cúpula militar e partidária de Pyongyang.

Até ao momento, houve apenas uma referência a Kim na imprensa oficial norte-coreana. A 26 de Setembro, um porta-voz do regime justificou a ausência do ditador numa sessão do parlamento nacional com uma “indisposição física”.

Os problemas de saúde do líder dificilmente são um segredo de Estado. Aos 31 anos, o dirigente educado na Suíça está visivelmente obeso e desloca-se com dificuldade, coxeando. No Sul, diz-se que o ditador gourmand, fumador compulsivo, sofre de diabetes, gota e tensão alta.

O senhor que se segue?

Perante a ausência do líder, as atenções de jornalistas e observadores viram-se agora para Hwang Pyong So, um alto dirigente político e militar que até há poucos anos era apenas mais um nome no labirinto burocrático de Pyongyang. Nos últimos tempos, e sobretudo neste último mês, não só ganhou um protagonismo incomum como se deslocou à Coreia do Sul no sábado para assistir à cerimónia de encerramento dos Jogos Asiáticos. Foi o mais destacado líder norte-coreano a visitar o país vizinho com quem o Norte ainda está tecnicamente em guerra.

Hwang tem a patente de general de quatro estrelas, apesar de um parco percurso militar. No país, as promoções nas forças armadas são sobretudo prémios políticos. E este dirigente soma vários nos últimos tempos: foi nomeado vice-chairman da Comissão Nacional de Defesa e director do Bureau Político Geral do Exército Popular.

Em Incheon, a gigantesca cidade-satélite de Seul que acolheu as ‘olimpíadas asiáticas’, Hwang deixou boa impressão. Quem esteve com o dirigente norte-coreano descreve-o como um homem sem a proverbial arrogância dos líderes de Pyongyang – simpático, até. Mas dificilmente será um reformista. Em Julho, numa parada militar em Pyongyang, ordenou às tropas que se preparassem para um “armagedão nuclear”. Foi da sua boca, aliás, que saiu a recente ameaça de um tiro certeiro contra a Casa Branca.

Esta ascensão política e mediática, que culmina durante a ausência de Kim, está a ser interpretada por alguns observadores como algo mais que uma substituição temporária do principal rosto do regime. Os defensores da teoria de um golpe palaciano apontam para as crescentes tensões entre a hierarquia política e militar e o clã Kim – entre os políticos e militares de carreira (que se confundem) e os membros daquilo que se assemelha a uma família real.

Pyongyang fechada

É neste clima de batalha política que surgiu, na semana passada, a notícia da suspensão da emissão de autorizações para entrar ou sair da capital. Para o académico japonês Toshimitsu Shigemura, uma autoridade sobre assuntos norte-coreanos, a medida “sugere que ou houve um golpe ou que as autoridades descobriram uma conspiração contra o poder”. Citado pelo Telegraph, o especialista diz ter recebido informações de que Kim poderá ter sido levado para fora da capital – pelos seus, ou pelos rivais.

Há também a hipótese de, independentemente de ter ou não havido uma tentativa de golpe, estar em curso uma purga no regime. A cúpula norte-coreana tem estado em “remodelação perpétua” desde a subida de Kim ao poder, nota a AFP. O homem que até 2013 era considerado o número dois do regime, Jang Song Thaek, tio de Kim, foi executado. O seu suposto sucessor, Choe Ryong Hae, também foi despromovido depois de ter sido descoberto que desviara milhões para uma conta bancária na China.

Neste cenário de purga e de doença, torna-se relevante a aparente ascensão de outra figura – Kim Yo-jung, a irmã mais nova do ditador. Com apenas 24 anos, soma já um grande número de altos cargos, uma torrente de títulos que costuma ser associada à iminente nomeação para uma posição de destaque no regime, tal como tinha acontecido com Kim. Também foi educada na Suíça e é uma das principais conselheiras políticas e pessoais do líder. É-lhe creditada a recente estratégia de propaganda do regime e a organização das duas visitas a Pyongyang da antiga estrela da NBA Dennis Rodman.

O papel de Kim Yo-jung no elenco desta guerra de tronos poderá ser clarificado já amanhã, mas o mais provável é que o suspense seja apenas prolongado.

pedro.guerreiro@sol.pt