“As obras hidráulicas previstas não iriam acabar para sempre com as cheias em Lisboa mas permitiriam reduzir muito a sua frequência. Seria um acontecimento que passaria a ocorrer, em média, uma vez de dez em dez anos e não com a frequência que actualmente se verifica”, garante ao SOL António Monteiro – um dos quatro autores daquele plano que para resolver o problemas das cheias previa um investimento de 153 milhões de euros na rede de saneamento e drenagem ao longo de 20 anos.
O PGDL – que a oposição camarária acusa António Costa de ter deixado na gaveta durante seis anos – previa um programa para monitorizar as condições dos colectores de águas pluviais e a actualização do cadastro da rede de drenagem da capital.
“É essencial actualizar o cadastro da rede de Lisboa, devido à escassez de informação sobre os colectores de águas”, sublinha Monteiro, também investigador e professor de engenharia hidráulica do Instituto Superior Técnico (IST), especializado em saneamento e drenagem urbana.
E, para realizar este trabalho, o grupo de quatro peritos propôs que fossem constituídas equipas especializadas. “Sugerimos que, a partir de 2009, se fizesse um esforço para conhecer a rede de drenagem ao ritmo de 150 quilómetros por ano [a rede de Lisboa tem cerca de 1.480 km], com equipas dedicadas a tempo inteiro a essa tarefa”, diz, indicando que o custo deste projecto seria de 1, 4 milhões de euros por ano durante uma década.
Obras prioritárias
Com as primeiras informações sobre o estado da rede, seria possível, explica ainda o perito, avançar logo em 2010 com as obras de requalificação. “Até 2020, estimávamos que seriam necessários investimentos de 153 milhões de euros em obras hidráulicas consideradas prioritárias na rede principal” – como intervenções em bacias de retenção e de infiltração (que permitem que os solos absorvam as águas), recorda Monteiro.
Já a partir de 2020 estava prevista a realização de obras de reabilitação na rede secundária. “Estimámos que o investimento necessário seria de 11 milhões de euros por ano, 1% do que custaria um sistema de saneamento e drenagem novo: 1.100 milhões de euros”.
Apesar de aprovado, este plano de drenagem, que prevê a construção de sete reservatórios e de uma bacia de retenção a céu aberto, no sopé de Monsanto, não chegou a ser implementado. Situação que gerou uma onda de críticas a António Costa, que lidera a CML desde 2007, tendo recebido o projecto do seu antecessor, Carmona Rodrigues.
Mas esta terça-feira, um dia após Lisboa ter voltado a transformar-se num lago, o presidente da autarquia prometeu, finalmente, tirar da gaveta o PGDL. Apesar isso, fez questão de sublinhar que “não existe solução para as cheias” na capital e que “não haverá nenhum sistema de drenagem que permitirá evitar situações deste género”, podendo este apenas minorar o problema.
Já os vereadores do PSD, CDS, PCP e BE consideram urgente implementar o PGDL e, na segunda-feira, solicitaram a sua execução para minimizar as inundações.
Segundo o vereador municipal social-democrata António Prôa não faz sentido que em seis anos apenas se tenha feito a monitorização do sistema de drenagem da Baixa de Lisboa, com o objectivo de criar um sistema de alertas, que acabou por nem ser lançado. Para ele, as cheias resultam da ausência do plano e não da falta de avisos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, como chegou a alegar o vereador socialista da Protecção Civil na primeira grande inundação do ano, a 22 de Setembro.
Cheias mais frequentes
Mas, nesta segunda-feira, a chuva voltou a alagar Lisboa. E mais uma vez confirmaram-se as piores expectativas dos especialistas que elaboraram o PGDL em relação às zonas mais expostas: a zona baixa de Alcântara; a Rua das Pretas; o Martim Moniz; Sete Rios; a Rua das Portas de Santo Antão e a Rua Gualdim Pais (ver info). Todas já tinham sido identificadas no PGDL como as mais vulneráveis. E apenas três semanas depois das inundações que provocaram o caos em várias zonas da capital, bastou uma hora para as águas voltarem a subir.
A Rua das Pretas, na Baixa, tornou-se um gigantesco lago, com as águas a subirem mais de um metro, e a saída do metropolitano do Rossio ficou com o aspecto de uma piscina. Os túneis da Av. João XXI e do Campo Grande estiveram encerrados ao trânsito e, em Alcântara, houve várias inundações na via pública, danificando automóveis e invadindo restaurantes.
Com solos impermeabilizados devido à construção, Alcântara é, aliás, a zona da capital para a qual o PGDL previa um maior investimento, atingindo os 60 milhões de euros em 20 anos. “Temos falta de memória, mas grande parte do que é hoje Alcântara foi construído sobre a ribeira”, lembra o arquitecto-paisagista Luís Cabral, que contestou a primeira versão do Plano de Pormenor da zona (em discussão pública) por prever precisamente mais construção, e ignorar a necessidade de haver locais para que a água possa ser escoada. “Há muito pouca área verde e era importante salvaguardar o vale de Alcântara, para onde escoa toda a água que vem da Brandoa [no concelho da Amadora], da bacia de Sete Rios, Entrecampos”, nota o arquitecto-paisagista, defendendo que a única solução para minimizar os efeitos das cheias seria “voltar a destapar a ribeira de Alcântara, deixando-a a céu aberto no seu troço final”.
A questão, sustenta por seu lado, António Monteiro, é que os colectores “têm uma vida útil de 70, 80 anos, mas não são eternos, necessitam de reabilitação e manutenção”. E, no caso de Lisboa, em que a rede de saneamento é antiga, o mais provável “é que a frequência das cheias aumente, se nada for feito para recuperar a rede”, diz.
“Entendo que a CML tenha dificuldade de acesso ao crédito mas poderia financiar o PGDL através da taxa de saneamento paga através do imposto municipal sobre imóveis ou vendendo a rede à EPAL'“, sugere o professor do IST, alertando ser “ urgente investir na rede”.
Mas, na terça-feira, António Costa, revelou que as negociações com a EPAL – para que a empresa assuma a gestão da rede de saneamento e drenagem – foram novamente adiadas. A solução, admitiu, é candidatar o PGDL ao Fundo Europeu de Coesão.