Vieira da Silva: ‘Não há partido que diga não a tudo’

Apesar do voto contra o Orçamento do Estado e das críticas ao Governo, o responsável pelas Finanças na bancada do PS não fecha a porta a entendimentos no IRS e na fiscalidade verde.

Vieira da Silva: ‘Não há partido que diga não a tudo’

O PS votará contra o Orçamento do Estado (OE). Foi uma decisão fácil de tomar?

Nunca é fácil votar contra um Orçamento, mas este OE é parte de uma política que agravou a recessão e a crise social. E – depois de toda a discussão na maioria sobre desagravamento de impostos -, é uma proposta que reforça a carga fiscal. Vemos aumentos no IRS, no IVA e em várias taxas disseminadas por todo o OE.

Ferro Rodrigues, depois de conhecer as linhas gerais do OE, falou numa forte inclinação do PS para o chumbo. O que reforçou essa predisposição?

Queria sublinhar que a decisão do grupo parlamentar foi unânime, pelo voto contra. Depois dessa reunião com a ministra das Finanças, houve várias novidades, como  o já famoso limite das prestações não contributivas. Prevê-se uma diminuição de 100 milhões de euros em prestações que já sofreram antes várias limitações. Foi mais um sinal a reforçar a nossa convicção de que este é um OE que não pode contar com o nosso apoio.

O corte de 740 milhões de euros na Educação é outro sinal no mesmo sentido?

A crise na Educação vem-se agravando nos últimos anos e tem o pico máximo no processo de abertura deste ano lectivo, que produz danos irrecuperáveis na credibilidade do Governo. Carece de explicação como, neste quadro, se prevê uma diminuição de custos com o Ensino Básico e Secundário.

Sobre a devolução da taxa de IRS em 2016, Ferro Rodrigues disse que a margem de manobra de um executivo do PS não podia ser diminuída. Os contribuintes poderão ficar sem o dinheiro por causa do PS?

Não me parece adequado fazer depender um efeito futuro do exercício fiscal deste ano, embora perceba a lógica interna da coligação que conduziu a esta novidade. Há aqui uma questão de respeito pela lógica orçamental e pela mudança de ciclo político que não é levada em conta. Agora, o PS poderá fazer algo diferente? Imagine-se que há a tal folga fiscal para devolver a sobretaxa. Será esta devolução a mais adequada ou outra solução, que implique também uma devolução de impostos aos contribuintes? É algo que o futuro governo terá de decidir.

Acredita na projecção económica que o Governo faz para a devolução da sobretaxa de IRS?

O quadro económico para 2015 é claramente optimista, a receita fiscal é mais optimista que o quadro económico, e a sobretaxa só será devolvida se a receita fiscal for acima desta previsão. Podemos sempre acreditar na felicidade futura… mas é preciso que tudo corra excepcionalmente bem. Há aqui uma alquimia que é difícil perceber, com o Governo a puxar pelas variáveis que favorecem este cenário (aumento das exportações, da procura interna e do investimento) e a travar os que o puxam para baixo (como as importações).

Com a chegada de António Costa à liderança do PS, o Governo começou a solicitar os socialistas para todo o tipo de acordos. A fuga do PS a esses acordos desgastará o partido até às eleições?

Não creio que o Governo queira fazer acordos. O primeiro princípio para construir entendimentos é não fazer dessas propostas armas de arremesso político na comunicação social, antes de dar as propostas a conhecer  – com se fez com a reforma do IRS e da fiscalidade verde. Mas é uma situação que não traz dificuldades ao PS. Os portugueses percebem que o tempo para procurar compromissos não é o fim da legislatura, quando as forças políticas devem divulgar as suas propostas para que os eleitores as possam julgar. Só depois do refrescamento da legitimidade democrática há condições para, então sim, fazer pontes, que são necessárias na sociedade portuguesa.

Mas há alguma área em que sejam possíveis acordos, até às legislativas de 2015?

Não há nenhum partido responsável que diga não a tudo, perante iniciativas legislativas. Se houver um debate sobre o IRS e fiscalidade verde, o PS não deixará de avaliar as propostas pelo seu mérito intrínseco. Não somos uma oposição de dizer não a tudo.

O PS apresenta uma proposta de resolução sobre a reestruturação da dívida. É uma tentativa de se colar ao manifesto dos 74, que aliás foi assinado por vários elementos da direcção da bancada?

O PS vai corresponder ao principal apelo destas personalidades que é o de discutir os custos da dívida e a forma como ela influencia a nossa economia. Contribuiremos pois para o debate da problemática. Não está em causa – porque não há condições para isso nem é este o momento -, definir as condições específicas, os limites, os passos da reestruturação. Isso seria uma atitude meramente declamatória, sem sentido. Esse é uma discussão que tem de se fazer na sociedade portuguesa, não se resolve nos cinco minutos de debate de uma petição.

Falando agora da vida interna do PS: qual é a sua opinião sobre o acordo de António Costa e Álvaro Beleza que dá ao sector segurista um terço nos órgãos de direcção do PS?

Não conheço os termos do acordo, mas o mais importante é que o PS tenha capacidade de aproveitar todos os seus recursos, de forma tranquila. Na minha opinião, o que se passou nas primárias esgotou-se no dia em que foram contados os votos. Nós não estávamos a votar para a composição de qualquer órgão interno, mas a fazer uma escolha, uninominal, para o candidato a primeiro-ministro.

Fixar o peso do sector segurista no PS em 30% da votação das primárias é um critério aceitável?

Parece-me que já não existe sector segurista. E o resultado das primárias, como disse, esgota-se na eleição de António Costa. É uma lógica idêntica à das eleições presidenciais.

manuel.a.magalhaes@sol.pt