Ferro Rodrigues, Eduardo Cabrita, Pedro Nuno Santos, João Galamba e Pedro Delgado Alves – os deputados costistas que tinham subscrito o Manifesto dos 74 – estiveram esta quarta-feira a defender o projecto socialista, que se limita a reclamar a necessidade de discutir publicamente a dívida, mas sem impor metas numa reestruturação. “Não está em causa – porque não há condições para isso nem é este o momento – definir as condições específicas, os limites e os passos da reestruturação”, disse Vieira da Silva ao SOL.
'Entalado' pelo BE
'Entalados' por um projecto do BE, que também foi a votos esta quinta-feira, com um texto idêntico ao do Manifesto dos 74, os socialistas tentaram não ser apanhados em contradição e optaram por se abster na votação do projecto bloquista.
“É um projecto de resolução que valoriza de forma positiva a iniciativa de largos milhares de cidadãos que vieram pedir este debate”, justificou Vieira da Silva, ressalvando que o PS não concorda “integralmente com os termos em que o projecto de resolução é formulado”.
No debate, o PS chamou para a fila da frente os deputados que tinham assinado o Manifesto dos 74, sugerindo que não havia embaraço no recuo. Entre os deputados subscritores, a justificação é que o Manifesto pretendia abrir a discussão sobre a renegociação da dívida e colocar o tema na agenda. Mas o documento vai além disso e aponta os caminhos que devem ser seguidos, enquanto o projecto do PS em nenhum momento utiliza a palavra reestruturação.
Um dos deputados subscritores do Manifesto dos 74, Pedro Delgado Alves, diz sentir-se “confortável” com o projecto do PS. “Há uma maioria dominante no Parlamento que tem de aprovar o projecto para haver discussão. Não há unanimidade. Não se pode impor a vontade do manifesto, que traz elementos relevantes para o debate, mas não se reduz a isso”, justifica ao SOL o socialista, frisando que o mais importante é “criar o maior consenso nacional possível” em torno da necessidade de debater a reestruturação da dívida.
Também o deputado Eduardo Cabrita alinha na mesma argumentação: “Seria muito estranho que um debate aprofundado começasse com conclusões”. Quanto à abstenção do PS na votação do projecto do BE, Cabrita afirma que se deveu ao “respeito pelos redactores do manifesto”.
O projecto socialista para desencadear o processo parlamentar de audição pública sobre a dívida foi aprovado, com a abstenção dos restantes partidos.
Francisco Louçã, um dos mentores do Manifesto dos 74, veio ajustar contas com os costistas, num artigo publicado no dia da discussão na AR, publicado no Público. Lembra que quando o documento surgiu “O PS acenou então a sua simpatia por alguma coisa, desde que essa coisa não fosse a reestruturação que o manifesto propôs (mas Eduardo Ferro Rodrigues, Pedro Nuno Santos e outras figuras do PS assinaram)”.
O ex-líder do BE sublinha que, “agora, António Costa mantém uma atitude de distanciação planetária em relação a qualquer vislumbre de proposta de reestruturação da dívida”.
Certo é que, durante a campanha das primárias, Costa nunca se comprometeu com uma posição sobre a dívida ou o défice. E um dos seus mais próximos apoiantes, Pedro Nuno Santos, criou-lhe um embaraço ao assinar com Louçã e outros dois economistas uma proposta de reestruturação da dívida. Costa não se pronunciou sobre a proposta publicamente, mas um dos actuais dirigentes lembrava na altura ao SOL que a posição do novo líder do PS nunca seria tão radical.
O contraste de Seguro e as cautelas dos economistas
Ao afastar-se das exigências de renegociar a dívida, o 'novo PS' aproximou-se da posição oficial dos tempos de António José Seguro – que mereceu as críticas dos apoiantes de Costa.
Agora, 19 economistas (vários deles antigos membros do Governo de Sócrates) que se reuniram com António Costa e Ferro Rodrigues, falam da renegociação com cautela. Ao SOL, Manuel Caldeira Cabral, que colaborou no anterior Governo socialista, diz que “nunca vai haver um momento fácil para fazer a renegociação”, mas que “a UE vive um momento de viragem, com a política de austeridade a ser posta em causa”. No futuro, “a renegociação da dívida não deve ser uma questão central no debate nacional, mas sim numa perspectiva europeia”, argumenta.