Mariana Mortágua: ‘Para ir fazer o que o CDS faz mais vale estar na oposição o resto da vida’

A dirigente e deputada do BE diz que não tinha expectativas em relação a António Costa e que o PS se coloca ao lado da maioria na reestruturação da dívida.

Mariana Mortágua: ‘Para ir fazer o que o CDS faz mais vale estar na oposição o resto da vida’

Portugal tem força efectiva na Europa para conseguir uma reestruturação da dívida?

Portugal não tem opção senão criar essa força. A alternativa é nunca dizer chega a uma política de austeridade que não tem fim.

E como pode fazê-lo?

Tendo um governo forte com um programa de esquerda forte e com apoio popular. A reestruturação da dívida é uma das medidas. A única forma de o fazer é dizer 'O nosso país decidiu soberanamente que a dívida não vai ser paga nestas condições'. E vai ter que impor essa decisão a qualquer chantagem que venha da União Europeia (UE) e aceitar as consequências.

Num artigo no Público, Rui Tavares diz que só é possível negociar na Europa fazendo parte do governo. Concorda?

Há três formas de fazer esta pressão. Uma é através do Parlamento Europeu, o único órgão verdadeiramente democrático da UE. Um segundo ponto é o apoio popular, a contestação das ruas. Nenhuma proposta de desobediência à Europa funciona sem apoio popular. A terceira é obviamente ter um governo que represente o apoio popular e defenda, em nome do interesse do país, essas ideias perante uma UE cada vez mais antidemocrática.

O BE estaria disponível para integrar um governo?

Vamos lá ver… qual governo? Essa é a questão. Não sei a que governo Rui Tavares se refere. O BE, no dia em que estiver num governo de esquerda, fará esse papel de luta pelos interesses do país. Se me está a falar de um governo PS, um governo PS nunca fará essa desobediência com a UE. O PS teve oportunidade de apresentar um projecto para a reestruturação da dívida e preferiu não o fazer. Põe-se do lado da maioria e não de quem quer fazer uma ruptura. O PS não é o governo que vai enfrentar a senhora Merkel.

Vários deputados do PS assinaram o Manifesto pela reestruturação, mas o projecto do PS foi mais recuado. O que acha que aconteceu?

Tem que perguntar aos deputados do PS. Confrontado com um debate concreto, o PS preferiu não assumir uma posição de quem quer de facto uma ruptura com as políticas de austeridade. Foi uma contradição notada por todos e que é o PS que tem que explicar.

Tinha outra expectativa em relação a António Costa?

Não tinha qualquer expectativa em relação a Costa ou ao PS.

A aproximação de Costa ao Livre e Fórum Manifesto pode roubar votos ao BE?

Não é o momento de fazer essas avaliações. Não estamos focados em aritméticas eleitorais para o futuro, não temos medo do futuro. Estamos focados nas propostas políticas do BE hoje e na forma como podemos ajudar o país a ultrapassar a situação que vive.

Discorda de um perdão de dívida?

Não sei se estamos a falar de terminologia. O que defendo e o BE defende é uma reestruturação acompanhada de uma auditoria à dívida. A questão do perdão não se coloca.

Há um jogo de palavras entre a direita e a esquerda nesta matéria…

A direita quer que as pessoas se sintam culpadas. Há sempre uma tentativa de transformar isto num discurso moralista: os portugueses viveram acima das possibilidades e agora têm que pagar. Tudo isto é moralismo do mais básico, é apelar à culpa cristã que está no nosso sangue.

Outra coisa que a direita fala é que o BE quer estar na oposição, recusa-se a ser governo…

Ir para o governo fazer o que o CDS faz, mais vale estar na oposição o resto da minha vida. Criticava o aumento do IVA, teve que levar com o aumento do IVA, dizia que a sobretaxa era um exagero e íamos diminuir a carga fiscal. Nada disso aconteceu. CDS e PSD estiveram no Governo com um mandato que ninguém lhes deu. Passos foi eleito a dizer que não ia cortar salários. Portanto para ir para o Governo com um programa que depois não é cumprido, para mentir aos portugueses e fazer este descalabro de política radical de direita e liberal, espero estar sempre na oposição.

No barómetro da Católica para o DN, a liderança bicéfala foi a que mais caiu. É uma prova que este tipo de liderança não serve?

Há duas questões sobre a liderança paritária que importa realçar. Aparece num momento particularmente difícil para o BE e qualquer que fosse a liderança seria o reflexo desse momento. E ousou fazer o que nunca ninguém fez: pôr um homem e uma mulher à frente de um partido. E uma mulher nova, que vem da área das Artes. Temos um sistema político com muitas mulheres na retaguarda e muito poucas a dar a cara e, quando dão, sofrem críticas que poucos homens sofreram na vida. Mesmo que não seja tão aceite como gostaríamos – a própria recusa em chamar paritária -, defendo esta inovação na forma como se faz política em Portugal.

O BE vai pagar caro a divisão interna?

O BE está no seu processo de debate interno e tem direito a ele, como todos os partidos. Não há que diabolizar o debate. O BE terá sempre a sua carga histórica e o motivo pelo qual apareceu continua a existir: criar uma alternativa de governação à esquerda do PS. É esse o papel que continuaremos a desempenhar, estou segura disso.

sonia.cerdeira@sol.pt