Em meados de Dezembro de 2013, Sergei Loznitsa (A Minha Alegria, No Nevoeiro) adiou todos os seus projectos para viajar para a capital ucraniana. Até Março do ano seguinte, o realizador nascido na Bielorrúsia mas criado em Kiev marcaria presença na Praça da Independência (Maidan) acompanhado de um assistente de realização e um técnico de som. “Sabia que era urgente, tinha de estar lá e filmar”. O Governo ucraniano cancelara um acordo de associação com a União Europeia por influências de Moscovo, e cerca de duas mil pessoas haviam saído à rua em protesto. As imagens, que inicialmente apenas se previam constituir arquivo, deram origem ao documentário A Praça, desde Julho a ser mostrado em festivais internacionais, incluindo o de Cannes. Filme de abertura da última edição do Doclisboa e agora em exibição comercial no Cinema Ideal, em Lisboa, A Praça aponta a câmara à perseverança dos protestos populares em Maidan – dos cânticos nacionalistas à resistência feroz ao ataque da polícia – que viriam a ditar a fuga do então presidente ucraniano Viktor Yanukovich. De fora ficariam um rol de eventos longe do desfecho, e que incluem a eleição popular de um novo Governo, a ocupação da Crimeia por parte da Rússia sob o pretexto do protagonismo de grupos nacionalistas-fascistas e o desencadear de uma guerra civil. O realizador, para quem “Maidan é um enigma” que ainda não conseguiu resolver, como escreveu na nota de intenções do filme, falou por e-mail ao SOL.
Numa altura em que o cinema mainstream parece guiado por uma lógica de distracção, a internet dominada por GIF animados, o seu documentário parece ir de encontro a uma atenção que vem da pintura.
A composição, para mim, é de uma importância primordial. O cinema é do domínio da arte, e a arte é criada de acordo com determinadas regras. N’A Praça, o meu protagonista é a multidão, a massa de gente. Daí a escolha da câmara estática, dos planos abertos e longos. É verdade que algumas cenas no filme fazem lembrar pinturas de Bruegel ou Delacroix.
A sua filmografia inclui tanto documentários como longas-metragens de ficção. Movimenta-se entre os dois registos com naturalidade?
Posso usar os dois registos e ainda assim serem os dois a mesma linguagem, a do cinema. A diferença entre o documentário e a ficção tem que ver com a ética – desse ponto de vista, por exemplo, é impossível filmar uma cena de documentário em que um indivíduo esteja a tentar suicidar-se. Seja qual for a natureza do material, será sempre subjectivo – é o realizador que controla o que se mostra, como se edita, a que som fazer corresponder as imagens… [A realizadora ucraniana] Kira Muratava disse uma vez que na verdade “um realizador de documentário prega-nos mais partidas do que um realizador de ficção”.
Vemos um comovente sentido comunitário nesta Praça Maidan. Até que ponto faz sentido relacionar a deposição de Yanukovich com movimentos de extrema-direita?
Acho que depois dos resultados das eleições presidenciais e parlamentares em Maio e Outubro deste ano, mostrámos que os partidos de extrema-direita representam apenas um por cento dos votos – é irresponsável repetir a lenga-lenga sobre o ‘fascismo’ na praça de Maidan. Isso é o que a televisão russa pretende.
Que reacções suscitou o filme na Ucrânia?
A Praça foi o primeiro documentário a ter estreia comercial na Ucrânia desde o Fahrenheit 9/11. Foi exibido em todo o país. Houve um misto de reacções – houve pessoas que se identificaram com o meu ponto de vista, e aqueles que me criticaram por não mostrar ‘tudo’ e não explicar o que mostro. A percepção do filme depende sempre da educação do público que o vê. É essa educação cultural básica que permite perceber a diferença entre um filme e um programa de tv propagandístico.
Depois da fumaça dos conflitos entre os protestantes e a polícia antimotim, o filme termina com o funeral dos “heróis da revolução”. Há um silêncio nocturno que convida a uma reflexão colectiva. O que espera para o seu país?
Acho que o futuro da Ucrânia está na Europa. Neste momento o meu país está sob uma intervenção militar russa. O resultado desta agressão dependerá, até certo ponto, da posição que alguns países europeus e os EUA tomarem.