O romance que ressuscitou

Aqui há uns meses aderi a uma comunidade online de amantes de livros e da leitura. O site chama-se Goodreads e uso-o sobretudo para ir assinalando e classificando os livros à medida que vou acabando de os ler. Gosto de acreditar que ao atribuir uma boa classificação a um livro posso estar a dar um…

Quando damos uma nota a seja o que for – trate-se de um livro, um filme, uma refeição ou outra coisa qualquer – um dos factores com maior peso é a expectativa. Há livros dos quais nada esperamos e que nos surpreendem, deixando uma impressão positiva. Foi o caso de O Segredo de Joe Gould, do qual nunca tinha ouvido falar e que me deixou arrebatado. Outras vezes, pelo contrário, depositamos grandes esperanças numa obra e afinal ela desilude-nos – recordo-me, por exemplo, de Os Thibauld, do Nobel Roger Martin du Gard, três grossos volumes sobre a história de uma família durante a Grande Guerra de 1914-18, cuja leitura se me revelou decepcionante.

Atribuir uma nota de um a cinco a um livro pode revelar-se, como tenho descoberto no Goodreads, uma tarefa ingrata. Porquê? Ora vejamos. Em geral, embora tente deixar nas minhas leituras algum espaço para o acaso – precisamente na esperança de ser surpreendido – atiro-me preferencialmente a livros que já passaram por um crivo apertado: do meu gosto pessoal, das minhas áreas de interesse, das indicações que vou apanhando aqui e ali. Por isso praticamente não leio livros 'maus', vendo-me quase sempre limitado, quando chega a hora de os classificar, a pontuações entre três e cinco, um pouco à semelhança daqueles professores que não podem chumbar os alunos. Uma vez que as cinco estrelas estão reservadas para as obras-primas (não é uma nota que se distribua a torto e a direito), a esmagadora maioria dos livros acaba por cair nessa zona cinzenta entre o três e o quatro.

O último livro que li e classifiquei no Goodreads foi Stoner, de John Williams, recentemente editado pela Dom Quixote. Trata-se de uma obra ela própria com um percurso curioso. A revista New Yorker chamou-lhe “o melhor romance americano de que nunca ouvimos falar”.

Publicado em 1965, Stoner passou quase despercebido na altura, embora o seu autor viesse a ganhar o National Book Award, um dos mais prestigiados prémios literários norte-americanos, em 1973. Após um longo período de 'hibernação', o romance acabaria por ser ressuscitado pela conhecida escritora francesa Anna Gavalda, que chamou a atenção para ele ao traduzi-lo. Desde então, a obra tornou-se um fenómeno de popularidade e mereceu elogios rasgados da crítica e dos principais escritores da actualidade.

A maioria dos leitores do Goodreads atribuiu cinco estrelas àquela que é considerada a obra-prima de John Williams. Eu fui mais avaro. Lá está: ficou na tal zona cinzenta dos quatro valores, na mesma categoria que outras obras porventura de menor qualidade. Mas acredito que o autor me perdoaria. Enquanto professor universitário (tal como o protagonista do seu livro), com certeza estava ciente de que atribuir uma nota pode ser uma tarefa ingrata e dada a injustiças. 

jose.c.saraiva@sol.pt