Logo após a detenção de Sócrates, Costa tentou estancar a teoria da cabala dentro do partido mas o ex-primeiro-ministro não despiu a pele de animal feroz e lançou-se contra a Justiça. O choque estava estampado na cara dos socialistas e os poucos que falaram para mostrar solidariedade foram cautelosos a apontar o dedo à Justiça. A tese com origem no advogado João Araújo, de que a prisão preventiva foi “injusta e injustificada”, deixava já antever as críticas que se seguiriam à actuação da Justiça. Mas Costa tinha sido claro: “É preciso separar muito claramente aquilo que são os sentimentos pessoais de cada um, aquilo que é o trabalho que a Justiça tem que fazer e aquilo que é a actividade política”.
Alguns socialistas levantaram suspeitas quanto aos fundamentos que levaram à detenção do ex-chefe de Estado mas foi o ex-Presidente da República, Mário Soares, um dos primeiros a visitar Sócrates na prisão de Évora, quem rebentava a céu aberto a contenção pedida aos socialistas: “Todo o PS está contra esta bandalheira”. A teoria da cabala estava enfim exposta com Soares a garantir que este é “um caso político” orquestrado por “malandros que estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar”. E Soares já disse que marcará presença no Congresso, o que não tem sido habitual nos anteriores.
Um caso isolado que não “fragilizava” a posição de António Costa porque Soares “tem um estatuto em que já pode dizer o que lhe vai na alma”, referia um dirigente socialista ao SOL. É o próprio Sócrates, a dois dias do Congresso, a abrir a caixa de Pandora. Em cartas enviadas ao Público e TSF diz que a detenção foi “um abuso”, “o espectáculo montado em torno dela uma infâmia”, as imputações que lhe são dirigidas “absurdas, injustas e infundamentadas” e a prisão preventiva “injustificada” e uma “humilhação gratuita”.
Sócrates dá sinais contraditórios: assume que o caso tem “contornos políticos” mas ao mesmo tempo pede que a política fique “à margem”. “Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.” Por esta ordem. Palavras que Costa aproveitou com a melhor interpretação possível: “Devemos não só respeitar o tempo da Justiça como respeitar também o próprio pedido que o engenheiro José Sócrates fez para que a política se aparte do processo, de forma que a Justiça funcione e ele possa exercer o seu direito de defesa.”
Apesar dos avisos à navegação, será difícil estancar a teoria da cabala que já está em marcha, durante o Congresso. E praticamente impossível controlar as referências ao caso Sócrates durante os discursos que se prolongam hoje pela noite dentro. A estratégia era afirmar o partido como uma alternativa ao Governo, unir e pacificar o partido. Agora, o primeiro passo de Costa é libertar-se da colagem a Sócrates e a expectativa é que o faça logo no discurso de abertura do Congresso, para apresentar a Moção de Orientação Nacional, marcado para as 12h35. A colagem que começou a ser feita ainda durante o combate das primárias, por António José Seguro, que ligava o agora líder do PS à “velha política que mistura negócios, política, vida pública, interesses, favores, dependências, jogadas e intriga”.
Uma estratégia que a direita já está a usar, acalentando a esperança de não ter um resultado catastrófico. Entre os socialistas, são poucos os que arriscam traçar cenários para as legislativas, mas o sentimento geral, transmitido com expressão grave, é que a “situação é muito difícil” e poderá ter repercussões na campanha e, claro, nos resultados.
Poucos são os que ousam falar em público sobre as implicações da detenção do ex-primeiro-ministro para o PS. O ex-ministro da Agricultura, Capoulas Santos, que foi o primeiro a visitar Sócrates em Évora, arrisca optimismo: “É um momento muito difícil para o PS mas também o foi a Casa Pia, que todos diziam que seria um descalabro, mas depois o PS teve um dos melhores resultados de sempre”. Capoulas diz ao SOL que encontrou Sócrates “convicto da sua inocência e com ânimo”.
Mas a convicção numa maioria absoluta – que os socialistas depositavam em Costa e não em Seguro – está por estes dias refreada.