Em entrevista à agência Lusa sobre o percurso político de Mário Soares, que faz no domingo 90 anos, Manuel Alegre conta que foi o editor francês Alain Oulman, em Paris, o primeiro a incentivar uma convergência política entre si e o antigo chefe de Estado ainda nos anos anteriores ao 25 de Abril de 1974.
"Dizia que tínhamos sido feitos para nos entendermos, porque possuímos o mesmo instinto da liberdade", justificou Alegre.
Mas o primeiro grande momento de convergência com Soares apenas se verificou no I Congresso do PS já na legalidade, num momento em que se jogava "a autonomia estratégica do PS, ou a satelização do PS por forças político-militantes que tinham outro projeto, o projeto da democracia popular".
Nesse congresso, Manuel Alegre, recém-chegado ao PS, fez uma intervenção política que o próprio Mário Soares considerou depois como decisiva.
"Venceu a linha política da autonomia, que consagrou a liderança de Mário Soares. Travámos então os grandes combates pelas eleições, pela Constituição e pela preservação do ideal democrático do 25 de Abril. Foi nessa altura que criámos uma grande amizade e uma grande cumplicidade", assinala o membro do Conselho de Estado.
Alegre refere que foi nesse período pós-revolução que conheceu bem "a coragem e o instinto político" do antigo Presidente da República.
"Mário Soares, como os grandes líderes políticos, nunca foi homem de programas muito detalhados, nem de números, nem de estatísticas, mas sabia muito bem o que queria: A democracia política, a descolonização, o Estado social e a Europa. E esses objetivos foram concretizados. O que carateriza Mário Soares é o seu espírito de resistente, de combatente, a sua convicção republicana, democrática e socialista, um grande otimismo, uma grande confiança em si mesmo e no bom senso do povo português", defende Manuel Alegre.
Caraterísticas que, de acordo com o poeta e "histórico" dirigente socialista, fazem de Soares "o político português com maior dimensão internacional".
"O combate pela democracia deu-lhe essa dimensão, demonstrando que era possível passar da ditadura para a democracia sem cair numa nova ditadura. É o símbolo civil maior da democracia portuguesa", advoga.
Manuel Alegre rejeita a tese de que o fundador do PS nem sempre foi coerente politicamente ao longo dos anos, contrapondo que foi sempre "um homem da esquerda democrática, do socialismo democrático".
"Ele o que meteu na gaveta foi a versão comunista do socialismo, o socialismo tal como tinha sido construído historicamente na [antiga] União Soviética e nos países do leste europeu, chamado socialismo real. Fê-lo para preservar a democracia e fazer a democracia progressista, que foi consagrada na Constituição e que hoje está a ser posta em causa, o que lhe provoca uma grande revolta", defende Alegre.
Interrogado sobre a alegada caraterística do antigo chefe de Estado de defender por vezes os seus amigos acima dos limites concebidos como adequados, casos do antigo primeiro-ministro italiano Bettino Craxi ou do antigo autarca Luís Monterroso, o ex-candidato presidencial vê antes nisso uma virtude.
"Também acho que não se deve deixar cair os amigos. Bettino Craxi foi uma grande figura da política italiana, houve aquilo [condenação a prisão e refúgio na Tunísia] e foi visitá-lo [a Tunes em 1995]. Jorge Sampaio também foi visitar o [antigo autarca da Guarda] Abílio Curto [que esteve preso por corrupção] e fez muito bem", responde Alegre.
Estes episódios, para Manuel Alegre, apenas significam que Soares "é um homem fiel às suas amizades".
"Mas também se desentendeu com amigos, como o [Salgado] Zenha ou comigo, por razões políticas, ou por razões várias. Desentendeu-se e voltou a entender-se, mas o que marca Mário Soares é o seu percurso político, o seu combate pela liberdade, que considerou sempre o valor supremo, e pela democracia", acrescenta.
Lusa / SOL