'Mouro' andou 60 km «em linha recta» para chegar à Serra d' Arga e às encostas de Santa Luzia, a poucos quilómetros de Viana do Castelo. Conseguiu chegar a estas montanhas em Fevereiro de 2013, após ter ultrapassado obstáculos que costumam ser mortais para a maioria dos lobos.
Depois de ter sido expulso da sua alcateia, 'Mouro' foi obrigado a migrar. E, desde Castro Laboreiro, no Alto Minho, este lobo «atravessou todo o Vale do Vez, uma área fortemente humanizada, passou pela A3 e, depois, pelo IC28», conta Helena Rio Maior, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO/InBio) da Universidade do Porto.
'Mouro' é um dos cinco lobos ibéricos da alcateia que se instalou entre Santa Luzia e a Serra d'Arga, entre a cidade e o mar, e que, nas últimas semanas, foram notícia por atacar rebanhos nas aldeias próximas de Viana do Castelo. Os investigadores sabem exactamente por onde andou este lobo porque Mouro é um dos 15 animais marcados por telemetria desde 2007, através de um programa de monitorização da espécie executado pelo CIBIO e apoiado pela Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico (ACHLI).
Mas, dos 15 lobos marcados com GPS no âmbito do programa para a conservação da espécie, apenas nove sobreviveram durante o período de 18 meses em que foram seguidos – lamentam as organizações envolvidas na conservação do maior carnívoro português, actualmente em vias de extinção e com um território reduzido ao Norte e Centro do país. «Já suspeitávamos que o conflito com o homem implicava taxas de mortalidade bastante elevadas para os lobos, mas nunca imaginámos que fosse tanto», lamenta Helena Rio Maior, que investiga o lobo ibérico há 12 anos, e está a realizar uma tese de doutoramento sobre a espécie.
Falta fiscalização
O primeiro lobo marcado a morrer, conta a especialista, foi abatido a tiro. Um outro morreu envenenado, dois foram capturados em laços (que os caçadores destinam geralmente aos javalis) e os últimos foram, também, abatidos a tiro: «O furtivismo é uma das maiores ameaças à conservação da espécie», nota a bióloga.
A escassez de presas selvagens – o lobo alimenta-se de animais como o javali, o corço e o veado – é outra das grandes ameaças, nota Helena Rio Maior.
É por isso que o lobo desce às povoações: vai à procura de presas fáceis, ou seja, de animais domésticos desprotegidos. «A chave para a conservação do lobo e para uma maior protecção do gado seria uma fiscalização apertada para controlar o furtivismo, o que teria como consequência um aumento das presas selvagens e das presas silvestres», explica, acrescentando: «Um maneio do gado com métodos de protecção rigorosos permitiria diminuir os ataques aos animais domésticos e, desta forma, o conflito homem-lobo». Outra grande ameaça é a destruição do habitat natural do lobo.
Há cerca de 300 lobos
em Portugal
Mas o pior 'pesadelo' com que se deparam estes animais – sobretudo os da alcateia das serras d'Arga e Santa Luzia, a que 'Mouro' se juntou – é mesmo o ser humano. E é um inimigo devastador. Tanto que deixou o lobo em vias de extinção.
Segundo os últimos censos, já de 2002-2003, a população destes animais foi estimada em apenas cerca de 300 em território nacional. Em média, especifica Helena Rio Maior, cada alcateia tem seis indivíduos a norte do Douro e 4,5 a sul.
As notícias sobre a aproximação deste predador às populações – apesar «de ser extremamente tímido» e «temeroso do ser humano» – não ajudaram a espécie, já de si mal-amada pelos pastores, diz, por seu lado, Sílvia Ribeiro, do Programa Cão de Gado (ver caixa): «Os lobos não são perigosos para o homem, não atacam humanos. Pelo contrário, têm medo deles», garante a responsável.
Os lobos aproximam-se das povoações apenas para procurar alimento e «muitas vezes as pessoas confundem-nos com cães vadios». «A verdade é que, quando os prejuízos são causados por lobos, há direito a indemnização, por se tratar de uma espécie protegida», acrescenta Sílvia Ribeiro.
Os testes de ADN realizados pelo Grupo Lobo às carcaças de gado deixadas na zona de Almeida, por exemplo, mostram que, por vezes, o predador não é o lobo, mas cães vadios.
De qualquer modo, «é importante», insiste Sílvia Ribeiro, que «os proprietários de animais voltem a ter velhos cuidados de protecção dos seus rebanhos ou manadas».
sonia.balasteiro@sol.pt