Na primeira carta enviada à TSF e Público logo após a prisão, a 26 de Novembro, Sócrates dizia não ter “dúvidas que este caso tem também contornos políticos”, mas deixava ainda alguma margem de separação entre os dois campos: “Este é um caso da Justiça e é com a Justiça democrática que será resolvido”. No dia seguinte nova carta, agora ao Diário de Notícias, onde tecia críticas aos magistrados (“Quem nos guarda dos guardas?”) e à “cobardia de políticos”.
À medida que se aproxima uma decisão da Relação sobre a permanência em prisão preventiva, Sócrates tem vindo a endurecer as acusações. Agora, em entrevista à TVI, critica a tolerância face a “prisões sem provas ou sequer fortes indícios de crimes que ao menos se perceba quais são!”. “Lamento dizê-lo, mas daqui à suspeita de perseguição política não é um passo de gigante, é um pequeno passo”, salientou.
Se, no início da sua prisão, o ex-primeiro-ministro falava num caso com contornos políticos, agora sobe mais um degrau: “Este processo, pela sua natureza, tem contornos políticos. E digo mais: este processo é, na sua essência, político”.
As visitas que vai recebendo em Évora também têm vindo a questionar cada vez mais a Justiça e a pedir provas que, segundo Sócrates, ainda não lhe foram apresentadas. “Só se deve prender quando há provas”, declarou o ex-ministro Mário Lino, um dos mais recentes visitantes.
O distanciamento de Costa
Ao mesmo tempo, António Costa insiste em separar os sentimentos da política e em respeitar a Justiça. “Costa lidou bem com a situação e minimizou-a. Mas minimizar não é excluir. É inevitavelmente um embaraço e um problema para o PS. Esperemos que as pessoas não confundam o plano de um cidadão com o plano do PS partido”, admite ao SOL fonte da direcção.
Logo após a detenção do ex-primeiro-ministro, Costa – que seria consagrado líder do PS nesse fim-de-semana – enviou um sms a todos os militantes para separar os “sentimentos de solidariedade e amizade pessoais” da “acção política do PS”. E é isto que tem repetido, em diferentes versões, sempre que se pronuncia sobre o caso Sócrates.
No Congresso, Sócrates foi um nome proibido. “Todos temos sabido separar os sentimentos da política, mostrar a fibra de que se faz um partido como o PS, uma fibra dos que, contra ventos e marés, acreditam e não resvalam na confiança num Estado de Direito e nos seus ideais”, congratulou-se Costa.
O líder do PS deixou para o último dia do ano a sua ida a Évora. À saída da prisão, ressalvou mais uma vez que “o importante é que deixemos a Justiça funcionar em todos o seus valores”. Questionado sobre se acredita na inocência de José Sócrates, Costa preferiu sublinhar que o ex-primeiro-ministro é “um lutador por aquilo que acredita ser a sua verdade”.
Enquanto Sócrates teme que o prolongamento da sua prisão o faça cair no esquecimento da opinião pública e força a tese da “perseguição política”, António Costa tenta evitar qualquer contaminação do caso que fragilize o PS, política e eleitoralmente.
Vera Jardim: direito à defesa
Mas alguns socialistas não têm resistido a apontar o dedo à Justiça. O ex-ministro da Justiça Vera Jardim afirma que Sócrates tem o direito a defender a sua dignidade e bom nome e que isso se sobrepõe ao segredo de Justiça. “Não se trata de estar acima da lei. Trata-se de haver direitos de dignidade superiores a determinados deveres como o segredo de Justiça”, explica ao SOL Vera Jardim, justificando que Sócrates desobedeça a essa regra “instrumental”. Sublinha que “decorre um processo paralelo na opinião pública com acusações graves” e, por isso, os magistrados e a Ordem dos Advogados “deviam ter em conta a pressão mediática e tornar mais flexível” a autorização para o advogado de Sócrates falar publicamente.