Numa região onde a pastorícia complementa a actividade agrícola, o anho assado com arroz de forno estaria sempre associado a momentos de festa ou de descontracção social ou familiar. Numa paisagem dominada pela vinha, era o repasto servido, pelo final do dia, aos trabalhadores da vindima, muitas vezes vizinhos que se revezavam no espírito de entreajuda nas fainas agrícolas. Outras vezes, fechava a ementa das 'bodas' sendo o principal atractivo para os convidados – de tal modo que, ao perguntar a data do enlace, havia quem perguntasse para quando o "convite para o anho".
Expressão desconhecida de muitos, o anho refere-se a um borrego que não deve ter mais do que 10 a 12 kg de peso e que, em Marco de Canavezes, segue um receituário próprio muito associado ao saber-fazer local e às matérias-primas daquela área geográfica.
A sua confecção é iniciada na véspera, preparando-se uma pasta com louro, alho, azeite, salsa, cebola, colorau, toucinho, banha de porco, vinho verde e sal com que se unta o anho. Fica a repousar até ao dia seguinte de forma a absorver o sabor dos temperos. Depois coze-se a cabeça e os pernis do anho com um pouco salpicão, presunto, carne de porco, carne de vaca, cebola e sal, de modo a obter um caldo. Assado em forno de lenha, o anho é colocado numa grelha, sendo que por baixo fica o arroz para onde pinga o tempero do assado. É este pormenor que faz da receita uma iguaria que tanta gente atrai a Marco de Canavezes. Diz-se que tal prática advém das dificuldades de outrora. Quem podia usufruir de um saboroso anho eram as casas ricas onde barões e baronesas, patrões e caseiros dispunham de recursos para tal. Para os caseiros ficava o arroz, o que menos se comia na refeição em comum. Assim, para que o arroz sobrante soubesse ao ausente anho, os caseiros tinham o cuidado de assar o animal numa grelha, que permitia que o sabor da carne passasse para o arroz. Como em muitos outros exemplos da gastronomia nacional, a necessidade aguçou o engenho.
Terra de muitos recursos hídricos, onde os espelhos de água proporcionam algum refresco nos dias de Verão, Marco de Canavezes apresenta inúmeros pontos a descobrir. Releva-se a localidade de Tongóbrida, povoação romana de que restam as termas, o fórum, zonas habitacionais e uma necrópole. A história entre o passado de há 2000 mil anos e o presente aproximam-se nesta localidade de origem romana, já que todo o espaço tem sido alvo de recuperação e classificação, tornando-se uma referência regional e um dos principais atractivos turísticos.
Fundada em 2006, a Confraria do Anho Assado com Arroz de Forno tem procurado, através da sua chancelaria (direcção), entender e interpretar o território que representa no conjunto das suas características geográficas, sociais e culturais, sendo a gastronomia o mote para a descoberta de uma região plena de tradições. De acordo com os seus objectivos, aquela instituição sem fins lucrativos tem vindo a desenvolver várias iniciativas de valorização e divulgação do Anho Assado com Arroz de Forno. Além dos vários encontros gastronómicos que têm promovido e estimulado a visita ao local, é de realçar o esforço da Confraria na concretização quer do Festival do Anho Assado, quer da Rota do Anho Assado com Arroz de Forno. O primeiro gera uma verdadeira azáfama no último fim-de-semana de Maio: muitos visitantes procuram nos restaurantes aderentes o saboroso anho acompanhado do arroz. Pela rota, pode descobrir-se esta receita durante todo o ano. Em qualquer dia, num dos restaurantes assinalados pelo município, encontra-se como prato do dia o anho assado com arroz de forno. Para saborear a carne e comer o arroz até ao último bago, não fora ele cozinhado por mãos sábias conscientes dos tempos difíceis de outrora.
*Presidente do Conselho Directivo da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas