‘Privatizar 66% da TAP é modelo morto à nascença’

André Teives, presidente do Sindicato de Handling e participante nas negociações com o Governo, defende que a companhia sobrevive se a privatização falhar. E sugere parceria com transportadora asiática ou do continente americano.

A privatização foi relançada em boa altura?

Não concordamos com o modelo nem com o timing. Primeiro pelos problemas que a TAP teve no Verão e cujos resultados estão a aparecer. Este é o pior dos momentos dos últimos anos. As contas do terceiro trimestre são muito más. E o modelo de privatizar 66% está morto à nascença. É muito complicado haver um parceiro que tem obrigatoriamente de aumentar capital, e o seu sócio, o Estado, não poder acompanhar. Quanto mais o ministro Pires de Lima diz que é para fazer, menos acredita. Em 2012, o Governo também tinha um discurso assim. A 19 de Dezembro de 2012, reunimos com o Secretário de Estado Sérgio Monteiro e a privatização ia fazer-se. No dia seguinte acabou porque o único alegado interessado não apresentou garantias. 

Há opções para a TAP crescer, sem ser privatizada agora?

A exposição ao Brasil é muito elevada, sobretudo tendo em conta que é um país que vai arrefecer economicamente. Uma das soluções poderia ser largar duas ou três rotas das mais de uma dezena que temos para o Brasil, e alocar aviões e pessoal a outras – por exemplo para a China ou Joanesburgo. Nos últimos anos a TAP não cresceu. Inchou.

E se não houver privatização? Tem de haver um plano B.

Também não houve privatização em 2000 e em 2012 e ainda cá estamos. Essa narrativa de que é a privatização ou o abismo, a história tem-se encarregado de demonstrar que não é assim.

A decisão de privatizar é puramente ideológica?

O Governo foi eleito, tem um programa que incluía a venda da TAP, que também estava no memorando com a troika. Para mim, o Governo ter decidido fazer neste momento, com este modelo – que resulta do consenso possível dentro do Governo – explica-se por as regras da contabilidade europeias terem sido alteradas e as dívidas das empresas públicas passarem a entrar no perímetro do Orçamento do Estado. Só a TAP contribui com mil milhões. 

Este caderno de encargos dificulta o aparecimento de interessados?

É preferível ter um caderno de encargos como este, muito exigente, do que não termos. Estas condições são únicas, infelizmente. É o primeiro processo de privatização em que os trabalhadores influenciaram inequivocamente o caderno de encargos. Se afasta interessados? Penso que não. Quem estiver de boa-fé, vem e cumpre. Acautelar o futuro não é ser a favor da privatização. Uma coisa é não concordarmos e enterrarmos a cabeça na areia. Outra coisa é não concordar, mas não nos demitirmos de defender os interesses dos trabalhadores. 

É uma crítica aos três sindicatos que não assinaram o acordo?

Não. Tenho pena que não estivéssemos todos, porque isto nasceu com os 12 sindicatos. Estão a fazer o caminho deles e nós estamos a fazer o nosso, que não é feito contra ninguém. Somos todos colegas.

Qual seria o modelo de privatização ideal?

Um modelo em que se encontrasse um parceiro extra-comunitário, de fora da Europa, em que a complementaridade da rede fosse total para que ambos crescessem. Com isso, não é obrigatório vender mais de 50%. No documento, o Governo escreveu privatizar «até 66%». É diferente de dizer que vai privatizar 66%. Isso é abrir a porta a ser menos de 50%. 

Que perfil devia ter esse parceiro?

Um interessado desses tem de operar numa infra-estrutura aeroportuária que esteja preparada e comporte um hub de longo curso. E no aeroporto de Lisboa não há espaço. Porque é que a fusão entre a British Airways e a Iberia corre tão mal? Porque são da mesma zona e a rede de ambos colidia em muitos destinos. Se encontrarmos um parceiro europeu, está errado, porque a TAP é europeia e nesse caso seria a periferia da Europa. Tem de ser extra-europeu, do continente americano ou da Ásia. 

Havendo três sindicatos que não subscreveram o acordo, está garantida a paz social? 

A questão do vínculo à paz social não é linear. Nenhum sindicato pode decretá-la porque a qualquer momento um grupo de associados pode convocar uma assembleia-geral para decretar formas de luta. Mas ao participarmos no caderno de encargos com esta intensidade e profundidade, dissemos que faremos todos os esforços para, de boa-fé, mantê-la. Quem não assinou o acordo não está vinculado a ele. Caberá a cada um fazer o que entender.

Como é que avaliam o trabalho da administração de Fernando Pinto?

Está cansada, não tem força anímica para os desafios. Incorreu em demasiados erros. A questão da manutenção e engenharia no Brasil é gritante. A dívida da TAP é de quase mil milhões, e metade é do Brasil. O que teríamos feito se não houvesse esta situação? Quantas rotas e aviões tínhamos mais? Foi um erro que não deixou a empresa desenvolver-se de outra forma e coloca-a numa situação quase insustentável, com capitais próprios negativos. Uma empresa nessa situação, para além de tecnicamente estar falida, quando vai financiar-se o juro é maior, porque o risco é maior. E houve os erros do Verão, o não haver plano B para a entrega tardia dos aviões, nem para os problemas da operação no Brasil em pleno Mundial… Foi a tempestade perfeita. Este conselho de administração está em duodécimos.

ana.serafim@sol.pt