Nigéria, Chade, Camarões, Níger e Benim uniram-se para uma missão comum: combater o Boko Haram. À excepção do Benim, os quatro Estados têm sido palco de ataques dos islamistas liderados por Abubakar Shekau – e a Nigéria, epicentro da violência fundamentalista, resolveu adiar as eleições agendadas para amanhã. A corrida presidencial entre Goodluck Jonathan e Muhammud Buhari só ficará decidida a 28 de Março.
Após avanços e recuos, a Comissão Eleitoral nigeriana anunciou o adiamento no sábado passado: se por um lado havia a questão de não terem sido entregues perto de 19 milhões de cartões de eleitor (num universo de perto de 70 milhões), por outro o diferir das eleições é a capitulação aos rebeldes do Boko Haram (BH), que dominam os estados do Nordeste e querem aplicar a sharia em todo o país.
O secretário de Estado norte-americano John Kerry revelou-se «profundamente desiludido» com a decisão de adiar o voto, tal como o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros britânico Philip Hammond, para quem «a questão da segurança não deve ser usada como razão para negar ao povo nigeriano o exercício do seu direito democrático».
Enquanto Washington e Londres, longe dos raides do BH – só no último ano terá assassinado cerca de 10 mil pessoas, na sua maioria civis –, se limitavam a criticar a medida, os vizinhos africanos tentavam encontrar uma solução.
O país mais populoso do continente e os quatro Estados vizinhos anunciaram a formação de um contingente de 8.700 soldados, polícias e civis para combater o BH. A missão precisa de fundos e a União Africana, que autorizou o contingente, quer que o Conselho de Segurança da ONU dê a luz verde – e os dólares.
Como esta força multinacional vai repelir os fundamentalistas até 28 de Março, é uma incógnita. «Dizem que precisam de seis semanas para derrotar o Boko Haram. O Boko Haram tem estado a crescer nos últimos seis anos. Se em seis semanas o Boko Haram não tiver sido derrotado, podem pedir novo adiamento e em última análise destruir a democracia nigeriana», aponta ao Guardian o analista político Jibrin Ibrahim, do Centro para a Democracia e o Desenvolvimento.
Ataques em várias frentes
A violência do BH já fez mais de um milhão de refugiados, e muitos atravessam as fronteiras. Os terroristas sob o comando de Shekau disparam em várias frentes: esta semana voltaram a atacar no Níger, depois de uma incursão em que morreram pelo menos cem islamistas e quatro soldados na sexta-feira passada. E na mesma semana deixaram um rasto de morte nos Camarões – cem mortos e cerca de 500 feridos. Em Fotokol, «queimaram igrejas, mesquitas e aldeias e massacraram jovens que resistiram a juntar-se-lhes para combater forças camaronesas», relatou o ministro da Informação camaronês. Issa Tchiroma Bakari acrescentou que os rebeldes foram rechaçados.
Ainda na mesma altura, soldados chadianos entraram em confronto com extremistas nas cidades nigerianas de Gambaru e Ngala: em ataques aéreos com tropas nigerianas, mataram mais de 200 rebeldes e destruíram veículos.
À medida que o BH toma a forma de um Estado Islâmico em África, os nigerianos voltam à contagem decrescente para a nova data das eleições. A campanha está marcada não só pelos ataques como pela quebra do preço do crude, um golpe importante para a economia do maior produtor de petróleo do continente. Há milhares de funcionários públicos com salários em atraso.
O Presidente cristão Goodluck Jonathan enfrenta terreno pantanoso. Os carros da sua comitiva foram apedrejados em Jalingo, cidade do Norte que é sobretudo muçulmano. «Foi chocante», disse um dos membros do Partido Democrático Popular ao Guardian. O que causou a ira foi a presença de militares para escoltar o PR, quando há poucos efectivos para combater o BH.
Jonathan enfrenta o muçulmano Muhammadu Buhari, um sunita que derrubou o poder num golpe de Estado e governou o país com punho de ferro entre Dezembro de 1983 e Agosto de 1985, até ser ele próprio deposto. Nome recorrente nas presidenciais, perdeu sempre. Agora, o candidato do APC (All Progressives Congress) – que rotulou o adiamento das eleições de «altamente provocador» e de «grande passo atrás na democracia» – surge como um opositor à altura. Nas últimas sondagens antes de ser anunciado o adiamento da votação, os dois homens estavam empatados.