2014: o ano da vergonha

Não escapam os grupos extremistas que impõem regimes de brutalidade, não escapam os países ricos que assobiam para o lado face a uma maré crescente de refugiados, não escapam as Nações Unidas que não conseguem pôr em prática sanções nem intervir em crises por causa dos vetos do Conselho de Segurança – ninguém escapa ao…

2014: o ano da vergonha

“A resposta global a conflitos e abusos tem sido vergonhosa e ineficaz”, sentenciou Salil Shetty, secretário-geral num artigo de opinião publicado no New York Times. “Foi um ano de derramamento de sangue angustiante”, sobretudo de civis, escreveu o activista indiano, notando que dos 160 países investigados pela AI foram cometidos crimes de guerra em 18: “Entre os piores, Síria, República Centro Africana, Iraque, Sudão do Sul, Nigéria, Israel e Territórios Palestinianos”.

O quadro é negro. Grupos armados – de que o Estado Islâmico ou o Boko Haram são o rosto mais mediático – actuam em mais de 20% dos Estados (35). E têm relação, por exemplo, com os quatro milhões de sírios que procuraram refúgio noutro país – em mais de 50 milhões de refugiados de todo o mundo, a pior crise desde o fim da II Guerra Mundial – e nos mais de 3.400 civis que morreram em 2014 a tentar chegar à Europa pelo Mediterrâneo.

 “A falta de apoio da parte de alguns Estados-membros da UE para operações de resgate e salvamento contribuiu para o chocante rol de mortos”, condenou Shetty no relatório da AI. Os números são reveladores: “O Reino Unido, França, Itália, Espanha e Polónia, com uma população total de 275 milhões de pessoas, disponibilizaram-se para apenas 2.000 acolhimentos, correspondentes a 0,001% das suas populações”.

Também na mira da AI estiveram as Nações Unidas, a quem a organização recomenda que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido) abdiquem do direito ao veto, uma proposta “já apoiada por 40 Governos”.

Shetty detalhou, no jornal nova-iorquino, que o veto destes cinco países permitiu que “os estreitos interesses instalados tenham tido precedência sobre as necessidades das vítimas de graves violações e abusos dos direitos humanos”. Consequência? As Nações Unidas ficam “paralisadas e cada vez mais desacreditadas neste momento crítico”, algemadas para passar resoluções que poderiam proteger civis na Síria ou na Palestina, por exemplo, territórios onde graves abusos sobre civis têm acontecido impunemente.

Aos críticos que o podem chamar de idealista, porque os interesses geopolíticos dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança se sobrepõem ao sofrimento de civis em lugares distantes, o responsável da AI responde: “Os conflitos já não respeitam fronteiras nacionais. Os grupos armados e as suas ideologias não se limitam ao país de origem”.

Outro dos problemas identificados pela AI são as armas que continuam a entrar em países em conflito, sendo usadas contra as populações. A organização pede que o Tratado de Comércio de Armas seja assinado/ratificado por países como EUA, China, Israel, Rússia e Índia. E critica o facto de 131 países (82%) terem torturado ou maltratado civis, além de notar que três em cada quatro Governos restringiram a liberdade de expressão.

O relatório, que passa em revista 2014 – o ano em que se recordou o 20.º aniversário do genocídio no Ruanda com o mea culpa da ONU -, não antecipa perspectivas animadoras para 2015, a meses de as Nações Unidas celebrarem 70 anos de existência. A memória colectiva, comprovou novamente a AI, é curta.