Com esse manifesto anticonformista, visto como o melhor discurso de oposição ao Governo PSD-CDS, nasceu a hipótese de uma carreira política de Sampaio da Nóvoa, o convidado de Cavaco Silva para organizar os festejos desse dia de Portugal. Do discurso ficou o apelo aos portugueses para tomarem em mãos o destino político do país e procurarem alternativas, que o próprio levou a sério: “Ou nos salvamos a nós, ou ninguém nos salva”. A frase, emprestada, é neste caso do escritor Manuel Laranjeira, mas as citações literárias, com Nóvoa, são abundantes e ecléticas.
Foi assim que o então reitor da Universidade de Lisboa passou a ser falado como putativo candidato a Belém. E a ideia foi germinando, diz quem o conhece. Três anos depois, aos 61 de idade, confirma a vontade de avançar. “Não é sério dizermos que somos candidatos em Outubro para umas eleições que acontecem dois meses depois”, disse este sábado, em entrevista ao Jornal de Notícias.
Se o currículo político é muito recente, a carreira académica é extensa e marcada pela distinção de prestigiadas universidades estrangeiras. Nóvoa é doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra e recebeu um segundo doutoramento em História pela Sorbonne, de Paris. Deu aulas em importantes universidades, como Genebra, Paris, Wisconsin, Oxford e Columbia. É autor de mais de 150 títulos (entre livros e artigos), publicados em 12 países. Um estrangeirado da academia que passou a uma boa parte do último ano na capital do Brasil, numa missão da UNESCO.
Antes ainda da entrada na política, projectou o seu estatuto com a fusão bem sucedida da Universidade Clássica de Lisboa, de que era reitor, e da Universidade Técnica de Lisboa – um processo que lhe foi dando uma marca ideológica. “A fusão serve para dizer que somos e queremos ser uma universidade pública” e “evitar derivas privatizantes”, explicou então.
De congresso em congresso
A ascensão deste professor universitário a figura de referência de uma ala do PS e outros sectores à esquerda, firmou-se a partir de 2013 em conclaves de oposição ao Governo. Foi o que aconteceu no Congresso Democrático das Alternativas, junto a Mário Soares (que agora apoia a sua candidatura a Belém).
Já este ano, no Congresso da Cidadania, organizado pela Associação 25 de Abril para encontrar novos protagonistas políticos, Nóvoa pré-anunciou o avanço: “Já dissemos tudo o que tínhamos para dizer e até para dizer uns aos outros. Agora, chegou o tempo da coragem e da acção”.
Antes de subir ao palco da Gulbenkian, falou longamente com o presidente do PS, Carlos César – um pormenor que não passou despercebido e foi visto como o sinal do apoio socialista.
António Costa, em boa verdade, deu-lhe o grande impulso ao percurso rumo a Belém. Em Novembro de 2014, no Congresso em que foi eleito, depois de ter ganho as primárias a António José Seguro, Nóvoa foi o convidado de honra: um independente num conclave do PS, um sinal de que seria a aposta para as presidenciais se faltasse António Guterres.
António Sampaio da Nóvoa, nascido em Valença, é filho de Alberto Sampaio da Nóvoa, juiz, ex-presidente do Supremo Tribunal Administrativo e que foi ministro da República dos Açores. É casado, com a diplomata Lénia Real, prima direita da dissidente comunista e editora Zita Sebra. Tem um filho, com actividade política e que milita no novel Partido Livre.
O actual reitor honorário da Universidade de Lisboa diz que gosta de decidir rápido. O processo de decisão da candidatura presidencial, porém, teve tempo para maturar. E para ser acompanhado por várias figuras de referência da esquerda, que o incentivaram.
As citações literárias abundantes denunciam o seu gosto pela literatura. O teatro e o desporto são outras paixões. Aos 17 anos, deixou uma então promissora carreira como futebolista (era centro-campista na Académica) por uma inscrição na escola de teatro do Conservatório. Das artes cénicas fez a transição para as ciências da educação e para a universidade. A vida política activa, começa agora, depois dos 60.
O que Sampaio da Nóvoa já disse:
“Devo a Abril tudo o que sou. Se estamos aqui, é porque somos Abril. Porque quando tudo parecia bloqueado, a coragem iniciou uma ruptura logo abraçada como utopia”
Sinto que quando chegamos a um determinado momento das nossas vidas, e se pudermos ajudar em certas coisas, temos a obrigação de o fazer. Sempre que seja para uma lógica de mudança, estarei disponível”
“Quando pensávamos que este passado não voltaria mais, eis que a pobreza regressa, agora sem as redes das sociedades tradicionais. Começa a haver demasiados 'portugais' dentro de Portugal, demasiadas desigualdades”
“Com políticos antigos não haverá políticas novas. Ficará tudo enredado em calculismos, golpes, hesitações, sem elevação e sem futuro”
“José Mujica, Presidente do Uruguai, teve a coragem de dizer que quem gosta muito de dinheiro deve afastar-se da política. Se tivermos as mãos atadas por teias e arranjos, não teremos condições para defender o interesse público, de todos”
“Não consigo separar este Governo da troika nem a troika deste Governo. O Governo já não devia existir. Parece-me óbvio que já devia ter sido demitido”
“A economia do futuro tem um nome: conhecimento. E conhecimento exige tempo, continuidade e investimentos que nunca poderão ser feitos apenas pelos 'mercados'“
Sampaio da Nóvoa: 'Inexperiente, radical e intervencionista'