Inquérito ao presidente da Relação arquivado

O Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça arquivou o inquérito visando Luís Vaz das Neves, presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que tinha sido aberto com base numa certidão retirada da investigação aos ‘vistos gold’.

Inquérito ao presidente da Relação arquivado

Em causa estava um telefonema, em Setembro do ano passado, entre o magistrado e António Figueiredo, então presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN) e principal arguido no caso, que foi considerado suspeito pela procuradora da República titular da investigação aos ‘vistos gold’, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Por estar em causa a actuação de um juiz desembargador, a questão – uma suspeita de favorecimento – teve de ser investigada pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça.

Segundo o SOL apurou, o despacho de arquivamento foi decidido no passado dia 10, pelo procurador-geral-adjunto Paulo Sousa, que considerou, pelo contrário, não haver quaisquer indícios da prática de ilícitos criminais.

No despacho, explica-se que o presidente da Relação e António Figueiredo conheceram-se há cerca de 10 anos, no âmbito das funções oficiais desempenhadas encontrando-se apenas em cerimónias institucionais. Numa dessas ocasiões, em finais de Agosto, Vaz das Neves, que é vice-presidente da Associação Portuguesa de Língua Mirandesa, perguntara ao presidente do IRN se era possível e como registar uma criança com um nome em mirandês. Isto porque o presidente dessa associação, Amadeu Ferreira (que estava muito doente na altura acabando por falecer pouco depois), lhe manifestara o desejo de que uma neta que estava para nascer tivesse o registo em mirandês.

A 2 de Setembro último, Figueiredo telefonou a Vaz das Neves e comunicou-lhe em que termos tal era possível: “Limita-se a informá-lo sobre as diligências que os pais da criança teriam que efectuar para proceder ao registo da criança com o nome em mirandês”(Lhuzie), salienta o despacho.

De seguida, no mesmo telefonema, o presidente do IRN deu conta ao presidente da Relação de que estava a ser investigado e era alvo de escutas telefónicas num inquérito, o que aliás já tinha sido noticiado no início do ano por alguns jornais. Luís Vaz das Neves respondeu que não sabia de nada e manifestou apoio a Figueiredo, através das seguintes afirmações: “disponha daquilo que considerar que possa eventualmente ter alguma utilidade”, “tudo o que o soutor entenda que possa ser útil, porque eu conheço o soutor, estou totalmente disponível para tudo”.

Suspeito “em abstracto” de ter sido favorecido em 50 euros

A procuradora do DCIAP considerou que a ajuda pedida por Vaz das Neves configurou um acto de “consulta informal” e que, não sendo paga, constituiu uma “vantagem” em relação a todos os utentes dos serviços do IRN, que em condições normais são obrigados a pagar uma taxa de 50 euros. Mais: “As supra mencionadas expressões, de apoio, após o anúncio da satisfação prévia de um favor de natureza imaterial solicitado pelo referido juiz (o presidente da Relação) poderá, em abstracto, e atento o conjunto da factualidade apurada nos autos, ser entendida como um pacto de ilícito criminal firmado em troca de vantagens de natureza imaterial”.

Tudo visto, e ouvido, o procurador-geral-adjunto Paulo Sousa, no Supremo, concluiu o contrário: “A prova recolhida evidencia a inexistência de qualquer ilícito criminal”.

Quanto à alegada vantagem de 50 euros, apurou-se que os pais da criança em causa fizeram o requerimento aos Registos e que pagaram a devida taxa. Em relação ao resto do telefonema, o procurador do Supremo concluiu: “Para interpretação e compreensão dos excertos assinalados importa inseri-los no contexto geral da conversa e também no espaço temporal em que ocorreu. Desde logo, trata-se de comunicação verbal (via telefone) entre duas pessoas que, embora próximas, mantêm relações de cunho marcadamente institucional. Por outro lado, é normal que o sr. desembargador, enquanto vice-presidente da associação portuguesa de língua mirandesa, se mostrasse agradecido pela atenção dispensada na resolução da questão colocada. E, neste contexto, sem cuidar de se tecer qualquer comentário sobre a forma de expressão, percebe-se e aceita-se a manifestação de solidariedade, a pessoa tida, até então, por impoluta”.

Segundo o despacho, Vaz das Neves reagiu “com alguma surpresa” à notícia de Figueiredo de que estava a ser investigado por causa dos ‘vistos gold’: “O mencionado contexto circunstancial e temporal atrás referido leva-nos a concluir que a conversa escutada não assume qualquer relevância deontológica e muito menos de índole criminal”, acrescenta-se.

Em conclusão, tudo não passou de “uma conversa cordial entre duas pessoas que mantinham relações institucionais próximas, não traduzindo a prática, nem sequer o propósito anunciado de praticar futuramente qualquer ilícito”.

António Figueiredo foi detido no âmbito de uma operação de buscas realizada em Novembro, tendo dado estas explicações no interrogatório – que foram agora validadas pelo MP no Supremo. O ex-presidente do IRN está desde então em prisão preventiva – entretanto confirmada, após recurso, pelos juízes da Relação de Lisboa –, indiciado por crimes de corrupção, tráfico de influências e abuso de poder.

felicia.cabrita@sol.pt