Obviamente estava enganado. Contra todas as expectativas, o cineasta foi concretizando, ano após ano e com enorme preserverança, cada um dos projectos de que lhe falara no tal encontro.
Vi alguns desses filmes, acerca dos quais – e falo como pessoa que gosta de cinema, não como crítico ou especialista – formei opiniões distintas. Dos sete ou oito que vi, Vale Abraão pareceu-me a sua obra-prima – um daqueles filmes deslumbrantes que fiz questão de comprar em DVD porque sabia que mais tarde ou mais cedo haveria de querer revê-lo. Outro, menos conhecido mas que me encantou, foi A Caixa, sobre um cego e a sua caixa de esmolas, que ele considera um tesouro mas que no fundo apenas revela a medida da sua miséria.
No extremo oposto da escala colocaria o filme sobre o Padre António Vieira, Palavra e Utopia, durante o qual tive dificuldade em manter os olhos abertos, sentado numa poltrona do King. Falo nisso porque toca um aspecto fundamental da obra de Oliveira: a lentidão. O próprio explicou essa opção de forma lapidar, numa entrevista concedida ao SOL em 2007: «O parado dá tempo à reflexão, o movimento distrai». E ainda: «O parado é intemporal».
Os seus filmes levaram esta máxima à letra, desacelerando o ritmo do dia-a-dia num convite à reflexão. Enquanto no cinema americano há planos de dois, três segundos, os filmes de Oliveira tinham planos muito longos, de minutos – uma eternidade. Ajudaram assim a definir, por oposição a Hollywood, o que é o cinema europeu.
Curiosamente, o carácter estático e introspectivo do cinema de Oliveira contrasta com certos aspectos da sua vida. Ele, que na juventude queria seguir a carreira de actor cómico, como Charlot, chegou a participar na Canção de Lisboa. Gostava da boémia e das noitadas. Foi campeão de atletismo e participou em corridas de automóveis.
Esta dicotomia leva-me à conclusão de que Oliveira teve não uma, mas duas vidas. A primeira, intensa e mais 'física', até à idade que para qualquer outro seria de reforma; a segunda, dedicada à criação e mais intelectual, mas igualmente intensa, daí em diante.
Quando já nada parecia fazê-lo prever (e muitos de nós assumíamos que o realizador seria o primeiro homem a viver para sempre), Manoel de Oliveira partiu deste mundo. Outro grande cineasta, Woody Allen, disse um dia: «Não quero atingir a imortalidade através da minha obra. Quero atingi-la não morrendo». Oliveira esteve perto de conseguir o pleno.
jose.c.saraiva@sol.pt