Morreu a velha raposa ruiva de Saddam

Izzat Ibrahim al-Douri, antigo braço direito do ditador iraquiano Saddam Hussein e um dos homens mais procurados do mundo, morreu esta semana numa troca de tiros entre o seu movimento rebelde sunita, aliado do Estado Islâmico, e o exército iraquiano a leste de Tikrit.

Apesar da morte de al-Douri ser recorrentemente noticiada e desmentida ao longo dos últimos anos, a informação é desta vez avançada pelas cadeias internacionais, com a televisão al-Arabiya a mostrar imagens do corpo do militar.

O nome era olvidável, mas a sua imagem é facilmente reconhecível. Magro, pálido e de bigode ruivo, al-Douri, de 72 anos, era o número dois de Saddam, o marechal-de-campo das forças iraquianas e o enviado pessoal do ditador nas derradeiras tentativas diplomáticas para evitar a guerra em 2003. Companheiro de armas de Saddam no golpe militar que conduziu o Baas ao poder, era até esta semana o único alto dirigente do regime que ainda escapava à captura ou à morte. No baralho de cartas dos homens mais procurados distribuído pela administração militar ocupante norte-americana, al-Douri era o rei de paus.

Sobrevivendo como um fantasma, tanto que já tinha sido dado como morto por diversas vezes, reapareceu há menos de um ano num vídeo a apelar à união dos saudosistas de Saddam e dos islamistas radicais contra o então governo do xiita Nouri al-Maliki. E o apelo parece ter tido eco entre a minoria sunita, a começar pelo próprio al-Douri. Liderava um movimento armado tão exótico como este árabe de tez céltica – o Exército da Ordem Naqshbandi. Trata-se de uma guerrilha sufista (corrente mística do islão, tradicionalmente pacifista e tolerante) historicamente aliada ao Baas (fortemente secular) e agora circunstancialmente coligada ao EI (que considera o sufismo uma seita herética). Alinhamento impossível? Não, pois partilham a base de apoio sunita.

Sem merecer a mesma atenção mediática procurada pelo EI, al-Douri foi um dos protagonistas da tomada de Mossul, em Junho de 2014. O seu movimento estava nos últimos meses encarregue de grande parte da administração civil da cidade de mais de um milhão de habitantes.

Os Naqshbandi, que enquanto comunidade religiosa contam séculos de história, militarizaram-se definitivamente em 2009 pela mão de al-Douri. Já na altura, em declarações à rádio pública norte-americana NPR, um dirigente do Partido Constitucional Iraquiano, uma pequena formação moderada, alertava para a possibilidade de este grupo atrair dissidentes da Al-Qaeda e do antigo regime de Saddam. Cinco anos depois, é evidente a cooperação entre o EI, que nasce precisamente de uma ruptura de al-Baghdadi com a Al-Qaeda fundada por Osama Bin Laden, e a guerrilha mística do agora eliminado nacionalista iraquiano.

Contudo, a aliança é frágil. As atrocidades cometidas pelo EI contra os cristãos iraquianos, outra minoria próxima do antigo regime de Saddam, eram motivo de grande tensão entre os saudosistas e os terroristas. Em Julho circulou uma suposta declaração de guerra dos Naqshbandi a Al-Baghdadi. Em Washington havia quem visse aqui uma oportunidade para uma tentativa de diálogo com al-Douri. Em teoria, o entendimento era impossível; na prática, é o Médio Oriente. Tanto que acabou por se formar outra aliança circunstancial e improvável: entre o poder de fogo aéreo norte-americano, o exército iraquiano e a Guarda Revolucionária do Irão, que reconquistaram há um mês a cidade de Tikrit ao EI.

pedro.guerreiro@sol.pt