Banco de Portugal em risco de perder poder para a CMVM

A supervisão financeira em Portugal poderá sofrer uma reforma profunda no curto prazo. Esta é pelo menos uma das 66 recomendações do relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão do BES e do GES, apresentado ontem na Assembleia da República.

Banco de Portugal em risco de perder poder para a CMVM

Pedro Saraiva, deputado do PSD responsável pelo documento, ressuscitou a discussão em torno do modelo de supervisão denominado twin peaks – uma proposta anunciada por José Sócrates em 2009, na sequência da crise financeira e da nacionalização do BPN, mas que não chegaria a ser implementada.

Na prática, as responsabilidades das três actuais entidades de supervisão – Banco de Portugal (BdP), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Supervisão de Seguros – poderão sofrer uma ampla remodelação e fundir-se, dando lugar a um ou a dois ‘super reguladores’ do sector.

O relatório sugere ao Parlamento uma “análise devidamente ponderada quanto às vantagens e desvantagens de evolução para a existência de uma única entidade de supervisão para toda a área financeira ou de duas entidades”.

Formalismo do BdP

Se, seis anos depois, a nova arquitectura de supervisão avançar, serão retirados poderes ao BdP. O banco central ficará com a supervisão prudencial, cujo objectivo é fazer o acompanhamento preventivo das instituições, garantindo a solidez e a estabilidade do sistema.

A supervisão comportamental, que avalia no terreno a conduta dos agentes e promove a protecção de consumidores, ficará na alçada da CMVM.

Tal como era esperado, o relatório condena a guerra entre supervisores, referindo que a coordenação está “aquém do que seria desejável”. A “postura essencialmente formal” do BdP também é criticada: “Parece resultar claro que uma atitude mais assertiva da parte do BdP poderia ter conduzido a uma e eventual diminuição dos impactos da situação vivida no GES e no BES”.

O documento vai mais longe e, perante as fragilidades detectadas, sugere a criação de um Conselho Superior do Sistema Financeiro “especialmente vocacionado para promover uma visão holística, concertada e congregadora” na supervisão.

Lições para o futuro

Além do reforço da articulação entre entidades de supervisão, o relatório aponta três outras áreas de intervenção: criação de uma cultura de exigência dos modelos de governance das instituições, remoção de conflitos de interesses e partilha de informação transparente.

Os deputados têm várias matérias para analisar e legislar, como a “revisão do quadro de sanções em caso de incumprimento dos modelos de governação vigentes”, a análise à política de remuneração dos gestores, a “exclusão de esquemas de comissões, liberalidades ou outros benefícios que possam reverter a favor do património pessoal dos colaboradores”, a reformulação dos sistemas de auditoria, inspecção e fiscalização, a definição de regras mais apertadas no lançamento de produtos bancários, a limitação ou proibição do crédito concedido a accionistas.

Responsabilidades partilhadas

O relatório frisa que os problemas estruturais do GES são bem anteriores à crise financeira de 2008, remontando pelo menos a 2000, tendo a sua resolução sido sucessivamente adiada.

Na distribuição de responsabilidades pelo colapso do grupo, Ricardo Salgado não é o único “provável” culpado. A conduta dos gestores do banco e do grupo, bem como dos administradores da PT, é alvo de críticas.

sandra.a.simoes@sol.pt