Henrique Neto: ‘Guterres prejudicou o PS sem necessidade’

Não falou com Seguro antes de avançar nem conta com Marinho Pinto como apoiante, embora aprecie o “aumento da concorrência partidária”. Nas legislativas vai votar em António Costa.

Sampaio da Nóvoa é um bom candidato para o PS? Há muitos socialistas que não concordam com o apoio do partido.

O PS é que vai ter de resolver isso. Não conheço o pensamento de Sampaio da Nóvoa.

Entrar na política aos 60 anos é demasiado tarde?

Toda a gente tem legitimidade para se candidatar. Essa é uma questão que não tem interesse e nos desvia do que é importante.

Quem o convenceu a concorrer a PR? Com que argumentos?

Foi um grupo de amigos. Disseram-me que eu nos últimos 20 anos tinha apontado os erros políticos de vários governos e que o tempo me tinha dado razão. Disseram-me também que não havia muitas pessoas com ideias tão claras para o país.

A 'indiferença' de António Costa à sua candidatura que reacção lhe suscita?

O António Costa terá ficado incomodado com a minha candidatura e não terá pensado muito. Respondeu de forma emocional. Esperava uma reacção semelhante. 

Outras personalidades do PS foram cáusticas: Augusto Santos Silva disse que era  hora dos bobos e José Lello comparou-o a Beppe Grillo…

É a demonstração que a antiga direcção de José Sócrates, que não tem razões para gostar de mim, se sente ameaçada. Acham necessário dar uma prova de vida e mostrar que estão para continuar. 

A  animosidade de parte do PS é sobretudo por causa de Sócrates?

É evidente. Fui dos poucos socialistas que durante os anos da direcção de Sócrates, e fui o mais visível, se opuseram ao estilo e ao conteúdo da sua direcção. 

E têm razão para o recear. A sua candidatura vai trazer Sócrates para o debate?

Não creio. A justiça está a fazer o que tem de fazer. A minha candidatura está preocupada com os grandes problemas nacionais e o Eng.º José Sócrates não é um dos grandes problemas nacionais. Este processo é uma das últimas coisas que me preocupam neste momento. Compreendo que possa preocupar o PS em ano eleitoral, mas isso deviam ter previsto antes. É o que dizia há pouco, há uma incapacidade de previsão de que enferma a política portuguesa, em geral… Não era preciso ser profeta para saber há muitos anos que isto ia acontecer mais tarde ou mais cedo.

António Costa é o seu candidato a primeiro-ministro?

Naturalmente. Eu sou socialista. Mas, como candidato a Presidente da República, não vou fazer campanha a favor de qualquer partido.

Há gente do PS na sua candidatura?

Há gente do PS e já havia no núcleo inicial, em maioria, até. Mas, para minha surpresa, a grande parte dos apoios vem de outros sectores, do PSD, do CDS, de empresários, de quadros, de gente da cultura, sem filiação partidária. E há muita gente que me diz que não ia votar e a minha candidatura os faz mudar de ideias. O que me faz pensar que vou abater o abstencionismo.

Marinho Pinto é seu apoiante?

Marinho Pinto está a fazer um partido. Demonstrou alguma simpatia pela minha candidatura, o que é compreensível, porque surge de fora do mainstream da política portuguesa e ele tenta fazer uma coisa semelhante ao nível partidário. Ainda é cedo para saber qual é a sua orientação política. Mas não o conto como apoiante, para já.

Vê com simpatia o projecto político de Marinho Pinto?

Ainda não tem projecto político, mas vejo com simpatia o aumento da concorrência partidária em Portugal. Porque o primeiro objectivo da minha candidatura é contribuir para a reforma do sistema político. Todos sabemos que os eleitos do povo não representam hoje o povo português e os interesses do país. Os eleitores não podem escolher as listas fechadas de candidatos que são indicados pelas direcções dos partidos. É um vício grave do sistema que tem de se transformar. Será a concorrência que forçará a regeneração. 

O PS fez isso com a introdução das primárias.

Sim, e foi também por liderar essa transformação que apoiei António José Seguro, que além do mais é uma pessoa séria. Foi um passo muito importante que o PS deu para a democratização do regime. Infelizmente isso parou de alguma maneira. 

Falou com António José Seguro antes de se candidatar? Espera o apoio dele?

Não falei nem pedi apoio. Ele afastou-se e compreendo que ele não dê apoio a ninguém. 

A derrota de Seguro marca o fim da carreira política dele?

Não, ele ainda é muito novo. Aliás, os anos melhoram a qualidade de intervenção dos políticos, que passam a focar-se mais nos problemas dos outros. E os partidos têm de se entender sobre o essencial. Fico chocado com a recente decisão do Parlamento que permite uma espécie de directório linguístico na União Europeia que exclui a língua portuguesa. É inadmissível, é uma traição a Angola, a Moçambique, aos países da CPLP, que não se podem defender na Europa.

Isso acontece por interesse partidário?

Acontece por clubismo partidário.

Seguro cometeu erros?

Sim. Estou à vontade porque lho disse. Decidiu gerir o PS quase com a equipa toda que tinha herdado de José Sócrates. Foi uma inocência e tornou inevitável o que lhe aconteceu.

Qual é o seu modelo de presidência. Qual foi o melhor Presidente?

Todos os Presidentes cumpriram os mínimos, mantendo as instituições do Estado a funcionar e tomando decisões em períodos de crise. Mas um Presidente da República deve falar menos sobre os assuntos correntes que só provocam desgaste e deve ser mais interventivo, prevenindo acontecimentos futuros negativos. Por exemplo, nas PPP, nos swaps, no BES, as pessoas mais bem informadas sabiam o que ia acontecer. Eu sabia, escrevi sobre isso. Um PR não pode ficar impávido e sereno à espera que o BES rebente. Garanto que comigo o caso BES/GES teria sido resolvido dois anos antes. 

Se tiver de dar posse a um governo de Bloco Central fica satisfeito?

Sim. Se houver um acordo de regime só posso ficar satisfeito, seja do Bloco Central seja de outro bloco. A minha candidatura vai apresentar nas próximas semanas posições, em textos curtos e fáceis de entender, posições sobre a dívida, o regime político e as grandes questões nacionais. O nosso sonho é que essas propostas sejam uma base de entendimento dos partidos. 

Como vai ser paga a sua campanha?

Espero que pelos portugueses. Criámos uma associação para poder recolher fundos e já começámos a receber.

António Guterres esperou de mais para esclarecer que não concorria a Belém? Fê-lo da forma certa?

Acho que esperou demais e que prejudicou o PS, sem necessidade. E fê-lo da forma errada, numa entrevista em língua inglesa, no estrangeiro, é de um relativo mau gosto.

Marcelo Rebelo de Sousa se avançar ganha as eleições?

Espero que não. Não me candidatei para perder, não gosto de perder nem a tremoços. Espero que os portugueses depois de anos de desgraça nacional compreendam quais são as causas e percebam que não devem continuar a escolher as pessoas só porque vão à televisão e têm uma certa piada. 

manuel.a.magalhaes@sol.pt