Duarte Cordeiro: ‘Não diabolizo o cenário da maioria relativa’

O vice-presidente da Câmara de Lisboa elogia Sampaio da Nóvoa, que diz ter um perfil vencedor. Recusa a falta de rigor nas propostas do PS e garante que António Costa tem capacidade de governar em qualquer cenário.

O PS cresceu nas últimas sondagens, mas pouco. O que falta?

Muitas pessoas criticam o caminho do PS mas, com o tempo, percebem que tem sido consistente. Apresentámos uma Agenda para a Década, o cenário macroeconómico e agora o programa de Governo. A tendência é de crescimento à medida que nos aproximamos das legislativas. 

Os socialistas na Europa estão em queda. O que é que o PS pode fazer diferente? 

O PS tem de ter a ambição de mudar a Europa. O grande problema dos partidos socialistas e sociais-democratas é aceitarem o princípio de que tudo se resolve a nível nacional – devemos ter uma frente reformista a nível europeu. Depois, estes partidos têm aceite um conjunto de dogmas introduzidos pela direita e que têm sido a receita para o desastre. 

Concorda com Manuel Alegre que diz que «o centrismo conduziu os socialistas à derrota»?

Revejo-me nas palavras de Manuel Alegre. Quando aceitamos como válidos pressupostos, que até podem estar convencionados por tratados, e desistimos de criar condições para o crescimento económico, criação de emprego, combate às desigualdades, estamos a capitular. É difícil governar no actual contexto europeu, porque os países perderam bastante soberania, mas é preciso lutar pela alteração das regras a nível europeu.    

Para o PS ganhar as eleições deve virar à esquerda?

O PS acredita que o país é viável se tiver níveis de crescimento económicos e de emprego mais elevados, se devolvermos rendimento às famílias. E entende que não devemos aceitar uma taxa de emigração tão elevada e níveis de desigualdade como os que temos. Se isto é virar à esquerda, então sim. 

E depois das eleições, se não houver maioria absoluta, deve coligar-se à esquerda ou direita?

Haverá mais estabilidade se o PS tiver maioria absoluta. Uma maioria absoluta com António Costa não é igual à do Governo. Em Lisboa, Costa não deixou de fazer acordos com outros partidos. O Governo ignora sistematicamente as posições do PS, por exemplo, na privatização da TAP, como se fosse acessória a opinião do principal partido da oposição. É algo que, tenho a certeza, não acontecerá. Os cenários são diferentes: governar com maioria absoluta ou com maioria relativa. O PS deve procurar até à ultima a maioria absoluta mas não diabolizo outro cenário.  

E sem maioria absoluta coligar-se-ia à esquerda ou direita?

Eu não falei de coligação nenhuma. Disse simplesmente que acho que o PS deve procurar a maioria absoluta e não diabolizo o cenário de maioria relativa.  

Só com acordos parlamentares, por exemplo?

Olhando para o passado de António Costa percebemos que tem capacidade de governar num cenário de maior estabilidade – que é desejável – mas também num cenário de maioria relativa, por natureza mais instável. Sempre teve a capacidade de fazer acordos políticos, tem experiência. Na ausência de uma maiora absoluta, António Costa é suficientemente capaz para transmitir estabilidade e segurança.  

Sócrates vai ser um activo tóxico na campanha?

Não me parece que seja importante para efeitos políticos falarmos de José Sócrates. Temos de respeitar a situação em que ele está.

Subscreve na íntegra o cenário macroeconómico dos 12 economistas? 

Não subscrevo integralmente as medidas, acho que dificilmente encontrará alguém que subscreva na totalidade um programa de Governo ou um pacote de medidas desta natureza. Acredito que algumas podem ser reavalidadas, mas há um caminho muito importante que é o princípio de que é possível compatibilizar a devolução do rendimento às famílias com o rigor. 

Costa disse que pretende baixar o IRS. As pessoas ainda acreditam em baixa de impostos?

O Governo aposta na linha argumentativa de que devemos ser pobres mas honrados. Independentemente de sermos honrados, temos que ser ambiciosos. O PS tem de se concentrar em combater a retórica de que o rigor só vem com a pobreza.  

A questão é se acreditam… 

Espero que sim. O PS tem tido um conjunto de passos sólidos para ganhar essa confiança. Quero acreditar que as pessoas percebem que não é possível, hoje, o PS se arriscar a ser irresponsável nas propostas que faz. Hoje um Governo é altamente escrutinado pelos outros partidos, pela Comissão Europeia. A forma transparente com que o PS apresentou as ideias é um factor de confiança.

Mas podem dar 100% certeza que, chegando ao Governo, vão cumprir estas promessas? 

Com 100% de certeza ninguém consegue prometer, não temos capacidade de fazer futurologia. Há variáveis que não são controláveis por parte de um governo. Mas dá para apresentar um programa político consistente, baseado em pressupostos fiáveis. E há outro aspecto muito importante: a experiência da liderança.  

Sampaio da Nóvoa é o plano B do PS para as presidenciais?

Sampaio da Nóvoa decidiu avançar, independentemente dos apoios de um partido, o que revela coragem. Uma mudança positiva no país só é possível com um Governo estável do PS e um Presidente da República de esquerda. O primeiro aspecto que tem que haver numa candidatura é a defesa intransigente da Constituição e a dignificação das instituições. Depois é fundamental um Presidente que não se resigne aos níveis de desigualdade que existem e dê apoio a um Governo que procure mudanças a nível europeu. Sampaio da Nóvoa inscreve-se perfeitamente neste enquadramento. Tem todas as condições para unir a esquerda, seja numa primeira ou segunda volta, tem um perfil vencedor. 

Há críticas à 'virgindade política'…

Põem em causa a sua competência, o que é leviano porque é alguém que teve como experiência ser reitor da Universidade de Lisboa e tem todas as condições para ser um bom candidato. Existe um aumento da desconfiança dos cidadãos em relação à política. Sempre entendi que a resposta a este fenómeno deveria resultar na abertura dos partidos. Defendo a militância partidária, são mais os aspectos positivos do que os negativos, mas não concordo que o PS se feche a pessoas que não são militantes. Vejo como natural que se apoie um candidato que não seja do partido. E Sampaio da Nóvoa posicionou-se indo ao encontro das expectativas dos socialistas e da esquerda em geral em relação ao que deve ser um Presidente.  

Faz sentido começar por um cargo como Presidente da República?

Rejeito a ideia de que não tem experiência política, poderá não vir de cargos partidários, mas não era possível ter feito o que fez na Universidade de Lisboa sem capacidades políticas. E Sampaio da Nóvoa não é um desconhecido. Revejo-me nas posições que assumiu nas várias iniciativas contra a austeridade e também no Congresso do PS.  

Mas antes disso não se conhecem as suas posições… 

Das entrevistas que Nóvoa já deu  é uma pessoa bastante transparente. O passado é ligado à vida académica e isso não tem nada de negativo. Seria errado desvalorizar alguém com essa experiência. Sampaio da Nóvoa já disse que será um defensor da Constituição e a experiência como reitor é um bom cartão de visita para um defensor das instituições públicas. Quem aponta críticas a Nóvoa não deve ter cá andado nos últimos dez anos ou pelo menos deve estar distraído. Tem todas as condições para ser melhor Presidente que o actual.

Muitas dessas críticas vieram de dentro do PS. Teme uma nova divisão como a de 2006?

Fui director de campanha de Alegre e acho que não podemos olhar para as posições do PS nas presidenciais e ver aí um factor relevante. O PS pode decidir não apoiar nenhum candidato. Obviamente que nunca houve um Presidente de esquerda eleito sem o PS mas há sempre uma primeira vez. O PS deve olhar com respeito e expectativa para esta candidatura. A presença de Jorge Sampaio e Mário Soares dá conforto a qualquer socialista. 

O PS deve apoiá-lo antes das legislativas?

É importante o apoio do PS para Sampaio da Nóvoa, independentemente de quando. O PS tomará a decisão quando entender, tem todo o tempo do mundo.   

Tantas greves no metro são justificáveis?

A principal responsabilidade das greves é do Governo que ignora autarquias e trabalhadores. As pessoas entram em greve porque não vêem receptividade do Governo a nada do que propõem. Tenho consciência dos transtornos que a greve cria à cidade.

A recolha do lixo é um dos calcanhares de Aquiles em Lisboa?

Houve um período, que foi ultrapassado, em que o número de trabalhadores foi inferior às necessidades, após a transferência de competências para as freguesias. Não estou a dizer que estamos satisfeitos com o serviço prestado, mas estou convencido que haverá uma tendência de melhoria na recolha do lixo. 

Fernando Medina deve ser candidato do PS nas próximas autárquicas?

Não tenho a menor dúvida, é para isso que trabalhamos. O objectivo é reafirmar esta equipa e afirmar a liderança de Fernando Medina. Estou convicto de que será candidato e vencedor. 

sonia.cerdeira@sol.pt