A má da fita

Toda a gente pede aos políticos que digam o que pensam e não só o que lhes convém, mas quando se atrevem a isso, muita gente se apressa a crucificá-los. Foi o que aconteceu esta semana com a ministra das Finanças. Ao afirmar a inevitabilidade de se «fazer alguma coisa sobre as pensões» e que…

A ministra foi cautelosa a enunciar o problema – «se for essa a opção» significa que outras ainda podem ser consideradas. Mas denunciou a sua preferência ao colocar esta questão que, todavia, não pode ser respondida só com chavões sobre direitos adquiridos: sendo a insustentabilidade do sistema uma realidade a que será impossível fugir num prazo não muito distante, deve distribuir-se o sacrifício necessário por todos – actuais e futuros pensionistas, incluindo os que entram no mercado de trabalho em condições que nunca lhes garantirão uma reforma digna –, ou preservar-se plenamente e a qualquer preço o compromisso com os reformados de hoje?

Diz o PS que «nem hoje, nem amanhã» será cúmplice da violação dos direitos de quem trabalhou a vida inteira e já foi bastante sacrificado. Há boas razões para defender esta posição. A quebra de contrato com os actuais pensionistas é um acto de violência que desacredita e envergonha o Estado. Sobretudo porque os governos dos últimos 30 anos encararam a Segurança Social como um poço sem fundo, ora usando-a com objectivos eleitoralistas, ora socorrendo-se dos seus recursos para outros fins, não falando já dos escandalosos abusos consentidos, especialmente a gente da política e da administração que arranjou reformas milionárias com escassos anos de contribuição.

Mas o certo é que o mundo mudou. E mudou tanto que não só a continuada regressão da natalidade, somada ao desemprego e à precariedade, compromete o futuro mais distante como, já hoje, o pecúlio dos pensionistas, sobretudo nas classes médias, é a derradeira almofada que ampara filhos e netos desesperados. Outra excelente razão para o PS manter a sua posição de princípio.

O que já se torna difícil de entender é que, ao mesmo tempo, se proponha reduzir os recursos da Segurança Social baixando a TSU e compensar essa baixa com impostos, enquanto, com a outra mão, lhe retira uns tantos milhões para promover a reabilitação urbana. Em nome de um relançamento económico com resultados mais do que incertos nas circunstâncias que o país e a Europa enfrentam.

Maria Luís,  pelo  seu  lado, parece  ter  desistido  de procurar soluções alternativas aos cortes – se acaso alguma vez as procurou – ou, então, concluiu que elas não existem. E, como não se importa de ser a má da fita, executará, com a frieza e a insensibilidade conhecidas, aquilo que considerar necessário, ou o que a troika mandar.

Por saber perfeitamente que prejudica a coligação em termos eleitorais, revela coragem e uma frontalidade política pouco comum. Deve ser enaltecida por isso, em especial pelo PS, que tem a obrigação de lhe agradecer em vez de a criticar.