Se o aumento de capital da Privado Financeiras, veículo do BPP, falhou, e houve clientes lesados, a culpa não foi dos administradores daquele banco privado mas de uma crise internacional que ninguém conseguia prever. Foi esta a mensagem que o juiz repetiu esta tarde, pelo menos quatro vezes, durante a leitura da súmula do acórdão que ditou a absolvição de João Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português (BPP), e de outros dois ex-administradores daquele banco privado por um crime de burla qualificada, em co-autoria.
A tese do tribunal acaba por ir de encontro à tese que João Rendeiro invocou nas primeiras sessões de julgamento: «Investimento falhou por ser impossível prever o futuro.» Também Patinha Antão, o ex-deputado do PSD e especialista em mercado de capitais chamado a testemunhar em sua defesa, alegou que os mercados são imprevisíveis: «Em mercado de capitais sabe-se que o passado nunca significa conhecimento valioso para o futuro.»
Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital foram acusados pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa por alegadamente terem lesado cerca de uma centena de clientes em 40 milhões de euros devido a um aumento de capital da Privado Financeiras destinado a comprar acções do BCP. Para os procuradores do Ministério Público que investigaram o caso, não havia dúvidas de que a Privado Financeiras já estava em falência técnica quando foi promovido o aumento de capital. E, assim sendo, os clientes não teriam sido devidamente informados de todos os riscos que corriam naquele investimento.
O colectivo liderado pelo juiz Nuno Salpico discordou e destruiu ponto a ponto a acusação. Concluiu que o veículo não estava tecnicamente falido, que os arguidos tinham confiança nos títulos do BCP e que estariam longe de prever os efeitos de uma crise mundial. O aumento de capital, concluiu o juiz, não preconizava qualquer mentira ou fraude. E até seria uma boa ideia, pois «os objectivos eram alcançáveis».
E se o Ministério Público defendia que o aumento de capital havia sido usado pelos arguidos para reforçaram a posição no BCP num momento em que aquele banco privado estava mergulhado numa guerra de poder, o tribunal entendeu não ter sido recolhida uma única prova em julgamento que comprovasse essa teoria.
Sobre o facto de os investidores não terem toda a informação sobre a situação financeira daquele veículo no momento em que foram convencidos a aderir ao aumento de capital, o juiz considerou essa ausência de informação irrelevante. Mesmo que tivessem tido toda a informação, isso não evitaria os efeitos da crise internacional que se instalou a partir do segundo semestre de 2008, pelo que, insistiu o juiz, os clientes acabariam por sair lesados na mesma. O tribunal concluiu que os private bankers e os gestores de conta tinham autonomia suficiente para decidir o que diziam ou não diziam: só se poderia considerar que haviam sido instrumentalizados pelos arguidos se aqueles os tivessem coagido.
Salvador Fezas Vital foi o único arguido presente na leitura do acórdão. Paulo Guichard tem residência no Brasil e João Rendeiro encontrava-se em Miami, com conhecimento do tribunal. Ainda assim não deixou de enviar uma declaração aos órgãos de informação, em que agradecia à mulher, aos amigos e aos advogados: “Esta decisão prova que a justiça se faz nos tribunais e não na comunicação social. Todos os que apostaram – e foram muitos – no populismo mediático e no julgamento em praça pública perderam”, defendeu. Rendeiro deixou ainda uma mensagem aos clientes do BPP «que, felizmente, em mais de 90% dos casos já receberam a totalidade dos seus patrimónios» e ao Estado «que tem coberto o seu crédito de 450 milhões na massa insolvente do BPP».
João Medeiros, um dos advogados de Rendeiro, em declarações à saída do tribunal falou de uma decisão «de grande coragem» numa altura «em que há uma grande diabolização dos banqueiros».
silvia.caneco@sol.pt
notícia actualizada às 20h