A plateia dos convidados ocupava o espaço central do claustro, um grande quadrado repleto de cadeiras pouco solenes. Na minha memória eram cadeiras de plástico ou metálicas, daquelas que se usam nas esplanadas, talvez cobertas por almofadas. Nelas se sentavam os notáveis do país: políticos, banqueiros, empresários, militares. Entre todos, houve um que me chamou particularmente a atenção. Chamava-se Cavaco Silva e, ao de contrário de outros, que se viravam para o lado ou para trás trocando uns dedos de conversa com os vizinhos, não falava com ninguém. Estava atento à cerimónia, muito direito.
A meio da manhã houve um intervalo. Toda a gente se levantou e formaram-se grupos nas alas do claustro, sob as ogivas manuelinas. Lembro-me de ficar a conversar com João de Deus Pinheiro (futuro MNE) e mais dois ou três convidados. Mas quando olhei para a plateia qual não foi o meu espanto quando, no mar de cadeiras vazias, havia um homem só. Precisamente Cavaco Silva. Não se levantou, não falou com ninguém, ninguém falou com ele.
Na altura, ele já tinha sido eleito para a liderança do PSD, e eu pensei: "Este homem, que pode vir a ser o futuro primeiro-ministro, está aqui sozinho, mergulhado em profunda solidão".
Ironia do destino, Cavaco seria de facto dentro em pouco primeiro-ministro – e tornar-se-ia o principal responsável pelos destinos de Portugal na Comunidade Europeia, chefiando o Governo nos dez primeiros anos que se seguiram à adesão. A adesão que ali se formalizava com a assinatura de políticos portugueses que em breve deixariam o poder – para dar lugar àquele solitário outsider ao qual na altura ninguém parecia ligar.
Este artigo é parte integrante de um trabalho onde o SOL, na revista Tabu, analisa a evolução de 30 momentos – desde o ano em que Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia até hoje.
Inclui também um artigo de Maria Emília Brederode Santos, viúva de José Medeiros Ferreira, o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros a pedir a adesão de Portugal à CEE.
Leia na edição em papel do SOL, já nas bancas.
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