A ousadia de Sócrates

O “animal político” que José Sócrates não deixou de ser e que, porventura, ainda conta voltar ao palco, respondeu politicamente à proposta de “meia libertação” que lhe foi oferecida: com um ‘não’ sonoro, acompanhado por um libelo contra a investigação e o juiz de instrução. Foi uma resposta corajosa, pense cada um o que pensar…

Para quem se encontra há tanto tempo confinado a uma cela, rejeitar a possibilidade de voltar para casa, ainda que limitado nos seus movimentos, não é coisa pouca. E afrontar, nesse acto de recusa, os dois responsáveis pela sua detenção é uma ousadia que, na frágil posição em que se encontra, poucos teriam. Ousadia pela qual, considerando a decisão final da acusação, Sócrates vai pagar com mais três meses de prisão sem culpa formada.

O ex-primeiro-ministro podia ter respondido apenas 'sim' ou 'não' à proposta de pulseira electrónica. Se a tivesse recusado em termos cordatos, talvez o procurador e o juiz considerassem a alternativa de prisão domiciliária com vigilância permanente. Há quem pense até que estavam obrigados a isso. Diz o presidente da Associação de Advogados Penalistas, que o Ministério Público só propôs uma medida de coacção menos grave porque a prisão preventiva deixou de ser necessária. E se deixou de ser necessária torna-se ilegítima. Ao regressar a essa medida extrema depois de Sócrates ter optado por um “não” à pulseira, no exercício de um direito que lhe assistia, o Ministério Público pareceu reagir, não já em função de necessidades e contingências da investigação, mas num simples jogo de forças com o arguido.

Sócrates tem-se declarado vítima de perseguição política por parte dos poderes judiciários, queixa em que, além de Mário Soares, muito poucos o acompanham. Mas este recuo para a medida de coacção mais gravosa que é a prisão preventiva, depois de a ter dispensado e existindo uma alternativa à pulseira recusada, sugere que o Mi- nistério Público pretendeu dar uma lição de humildade ao ex-primeiro-ministro, ou, na versão mais crua do seu defensor, vingar-se das acusações que ele fez publicamente.

É assim que, num caso que, em si mesmo, nada tem de político a não ser o facto de o suspeito ser um político, a acusação consente e fomenta dúvidas sobre se estará a tratar José Sócrates com a equidade devida, em comparação com o tratamento reservado a outros arguidos em processos não menos graves.

Olhando em volta, parece que não. Basta reparar noutros suspeitos e mesmo acusados de crimes de colarinho branco que se passeiam livremente, dentro e fora do país, enquanto a Justiça demora a formar o seu juízo e a agir em casos como BPN, BES, BPP, Furacão, Monte Branco e tantos mais. Para não falar de quantos escapam impunes a todas as diligências. É também por isso que, apesar das inúmeras suspeitas que recaem sobre Sócrates, muita gente desconfia de certos actos da Justiça em relação a ele e vê em episódios como o da pulseira um propósito de o penalizar desnecessariamente. Apenas por ser quem é e, como ele próprio afirma, não fazer o favor de se calar.

Ismaelitas

Uma comunidade com 15 milhões de fiéis espalhados pelo mundo – os ismaelitas, cujo líder é o príncipe Aga Khan – escolheu Lisboa para sua sede mundial, após negociações que vêm do tempo do ministro Luís Amado e foram agora concluídas. Nas notícias, destacam-se investimentos de muitos milhões em diversas áreas, incluindo a Investigação e a Medicina. Mas o que verdadeiramente honra Portugal e os portugueses é o facto de, num tempo em que os extremistas fazem a guerra em nome do Islão, uma comunidade muçulmana que cultiva a paz e a tolerância ter decidido instalar entre nós a sede do seu governo. Certamente por considerar que, aqui, a sua identidade e os seus valores serão respeitados.

Mitos urbanos

Quem exortou os jovens a abandonarem a sua “zona de conforto” e emigrarem não foi Passos Coelho. Foi um “ajudante” de que poucos recordarão o nome. Mas não há notícia de este ter sido desautorizado, nem por Passos nem por ninguém do Governo, que só há pouco se lembrou de apelar ao regresso dos jovens que partiram. Desmontar “mitos urbanos” para corrigir ideias e frases infelizes que Passos ou alguém do seu Governo deixou cair ao longo dos anos é um exercício eleitoral curioso. E mais interessante seria se o primeiro-ministro desse uns passos mais atrás e desafiasse os jornalistas a provarem que foram também mitos urbanos as abundantes promessas falhadas da sua campanha de 2011.