O ‘califado’ do Estado Islâmico. Um ano a espalhar terror

O ‘califado’ do Estado Islâmico continua em expansão e «pode chegar a qualquer lado do mundo», avisa especialista.

As estatísticas do Departamento de Estado mostram que os Estados Unidos já investiram 2,74 mil milhões de dólares para atingir 7.665 alvos do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Mas um ano depois de ter proclamado o estabelecimento de um 'califado' o grupo sunita continua em expansão, reivindicando território da Argélia ao Afeganistão e divulgando uma mensagem jihadista que chega a muçulmanos dos quatro cantos do mundo.

O Centro sobre Terrorismo e Insurgência da Jane’s registou 3.097 ataques do EI desde que, a 29 de Junho de 2014, o movimento proclamou o estabelecimento do 'califado'. Na última e surpreendente demonstração de força, na quarta-feira, o grupo reivindicou uma ofensiva contra postos de controlo do exército egípcio na península do Sinai (ver texto ao lado).

Episódios semelhantes ocorreram ao longo do ano em países como a Líbia, Tunísia, Iémen ou Afeganistão. «O EI está sem sombra de dúvida mais forte», disse ao SOL Gustavo Plácido dos Santos, especialista em terrorismo do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS).

Homens de Saddam

O analista sublinha que, ao contrário da al-Qaeda, este movimento sunita mostra que «consegue fazer frente, e até superar, exércitos regulares de Estados ‘profanadores’», título atribuído pelos jihadistas tanto aos aliados dos EUA na região como às potências xiitas como o Irão. Um feito que estará ligado ao facto de o EI contar com ex-membros do Partido Baath de Saddam Hussein, incluindo altos cargos na hierarquia militar «que têm uma vasta experiência em operações militares e conhecem o modus operandi dos exércitos regulares», explica o perito.

E além do poderio militar, o EI beneficia de «maior influência e legitimidade» por «pretender recriar o califado». Plácido dos Santos lembra que «apesar da aplicação radical dos ideais e premissas do Islão», o grupo «criou instituições estatais, desde a cobrança de impostos à provisão de cuidados de saúde», que ajudam a «explicar em parte a elevada adesão de novos militantes».

Outro dado fulcral para a mobilização de massas é «o uso de redes sociais como veículo de informação», levando a que a sua mensagem chegue a «qualquer parte do mundo para incentivar muçulmanos a realizar ataques». Estrutura que volta a contrastar com os «ataques organizados através de uma hierarquia rígida» da al-Qaeda e que «dificulta o trabalho das agências de inteligência internacionais no que respeita à detecção de ameaças e células terroristas».

O especialista do IPRIS considera que o avanço do EI «poria em risco todos os governos e regimes do Médio Oriente, sem excepção» e por isso avalia que a «situação seria pior» sem a intervenção internacional que os EUA e alguns aliados regionais e globais iniciaram em Agosto de 2014. Plácido dos Santos crê que sem essa coligação «o EI estaria muito provavelmente às portas de Damasco, Bagdade e mesmo em território saudita e jordano», mas defende ser necessário uma «reformulação da estratégia».

Por um lado, a «coligação está dividida por interesses geopolíticos e estratégicos» dos seus intervenientes, tornando-a «disfuncional». Por outro, o analista defende ser essencial «perceber que a campanha aérea não está a ter os resultados esperados e que o exército iraquiano não está preparado para fazer frente a uma força militar bem equipada». Lembrando que «foi precisamente a saída de tropas norte-americanas do Iraque que abriu a porta à expansão do EI», Plácido dos Santos diz que a «situação exige não apenas tropas no terreno como também um papel mais activo dos EUA».

Todos sob ameaça

«Esta ameaça sunita pode chegar a qualquer parte do mundo onde haja uma população muçulmana considerável e, em regra, desfavorecida e pobre», avisa o analista. Exemplo disso é a ascensão do Boko Haram, grupo que se tem vindo a aproximar do EI, na região mais pobre e desenvolvida da Nigéria. Outro é a recente ameaça ao poder do Hamas em Gaza, que poderá vir a ameaçar os interesses de Israel e o Egipto e provocar «repercussões mais vastas na região».

A expansão na Argélia e Tunísia ameaça levar a causa até Marrocos, «país que até hoje tem estado relativamente imune de ameaças de organizações jihadistas». Um potencial problema para Portugal, que ao mesmo tempo tem de lidar com a ameaça da imigração: «O EI já veio dizer que poderá infiltrar militantes nas embarcações destinadas à Europa», recorda Plácido dos Santos.

E apesar de antever dificuldades na formação de um consenso no Conselho de Segurança da ONU, o perito lembra que Rússia e China «têm todo o interesse em conter o EI», como prova a «relativa instabilidade vivida nas regiões chinesas e russas de maioria muçulmana, como a Chechénia e Xinjiang».