O que falhou na Grécia?
A principal ilação a tirar é a da chantagem que se exerceu sobre o povo grego e sobre o seu Governo. Isto é muito elucidativo da forma como a União Europeia (UE) está a funcionar e da própria natureza da UE e particularmente da zona euro. Foi um processo inconcebível que se vai traduzir em mais e pior do mesmo.
Cavaco Silva disse que sem a Grécia, o Eurogrupo eram 19 menos um. Vê com igual tranquilidade uma saída de Portugal do euro?
É um tipo de reacção um pouco chocante. O que nos devia preocupar a todos era acompanhar o esforço que o povo grego tem vindo a fazer no sentido de garantir o seu desenvolvimento, as suas condições de vida, ultrapassando as políticas que estão a ser impostas.
Para Jerónimo de Sousa a Grécia só não saiu do euro porque não tinha a saída preparada. Como é que Portugal pode preparar a sua saída?
A Grécia demonstra a justeza dessa preocupação para a qual o PCP tem vindo a alertar – seja por decisão dos portugueses, seja por imposições externas. Há que estudar as suas consequências e de encontrar formas de a economia e sociedade portuguesas reagirem.
Tsipras não estava numa camisa-de-forças?
O euro é uma camisa-de-forças. Isto está a ficar claro para a Grécia e também para Portugal. Mas não quero emitir juízos de valor acerca da posição que tomou o Governo grego. Isso, os gregos avaliarão. Mas há uma evidência: o que foi imposto e aceite pelas autoridades gregas, não dá a mínima perspectiva de vir a melhorar a situação deste país, bem pelo contrário.
O PCP sempre se distanciou do Syriza. Esse é um trunfo eleitoral?
A avaliação que os portugueses farão tem que ver sobretudo com a situação política, social e económica do nosso país. Se o país vai continuar neste rumo que três partidos têm conduzido ou se é tempo de reforçar uma força política como a CDU que propõe uma ruptura com este estado de coisas. Somos muito solidários com o povo grego, mas as propostas que apresentamos são para Portugal.
Qual será a tónica do PCP nesta campanha?
Em primeiro lugar, a necessidade de renegociação da dívida, aliviando os seus juros para que a economia possa respirar e encontrar condições de crescimento económico com o mínimo de sustentabilidade. É precisa uma alteração da política fiscal que temos tido, insuportável para quem trabalha ou já trabalhou e extremamente aliviada para quem vive dos rendimentos do capital. Por isso, a captação de recursos financeiros por via do alívio da dívida é fundamental.
Na quarta-feira, Cavaco pediu aos partidos que se entendam para formar uma maioria. Tem legitimidade para o fazer?
O Presidente teve um discurso de clara intervenção na campanha. Acaba por ter uma convergência muito óbvia com o discurso da coligação PSD/CDS e com o do PS.
O líder do PS já desafiou os partidos à esquerda para um entendimento. O que seria preciso, para o PCP?
Que explicasse onde pretende esse entendimento. Quando o PS apresenta na Assembleia da República políticas que vêm de encontro aos valores defendidos à sua esquerda, o PCP nunca rejeita a convergência. Veja-se o caso da revisão da lei da droga, há 10 anos. A questão é que o PS, quer no poder quer na oposição, em aspectos essenciais da política do país converge essencialmente com os partidos da direita. E a sua política negativa terminou, aliás, com a vinda da troika para Portugal. Não pode pretender que a esquerda seja uma espécie de passadeira vermelha para as políticas da direita.
O que seria essencial tirar do programa do PS?
O PCP apresenta-se nas eleições para defender um programa que está muito definido, muito preciso. Há aspectos fundamentais em que o PS tem de se definir: privatizações, o que tem vindo a propor em matéria de segurança social é algo de que divergimos profundamente, a sua ambiguidade relativamente à reposição de salários e pensões tiradas aos portugueses nos últimos anos…
Mas não seria do interesse do PCP sinalizar ao PS que mais vale fazer maioria com os comunistas do que com as outras forças à esquerda?
O PCP tem compromissos que assume com o povo português e desse compromissos não abdica. Não vamos apresentar um programa eleitoral e depois, em troca de alguns lugares governativos, abdicar do que defendemos.
O PCP está preparado para a proliferação de votos à esquerda e, por outro lado, para a bipolarização entre os partidos da governação?
Está preparado para todos os cenários. Há certamente uma grande tentativa de bipolarização. Não é novo na política portuguesa e continuará a verificar-se. Mas vamos continuar a lutar. As eleições não são uma corrida a dois. Os portugueses ao recusarem a maioria absoluta quer à direita quer ao PS têm uma oportunidade de os derrotar a ambos e aos seus objectivos e, com isso, darem um passo para que outra política seja possível.
A CDU ainda faz sentido? Ou já era tempo de o Partido Ecologista ‘Os Verdes’ ir sozinho a votos?
A opção de integrar a CDU é uma opção d’Os Verdes. Naturalmente que sempre foi vista no PCP com agrado.
Mas prejudica o PCP. São menos dois ou mais deputados na bancada comunista.
Não temos essa avaliação. O PEV tem o seu espaço próprio, o seu peso específico e isso tem uma tradução natural na existência do seu próprio grupo parlamentar. O PSD e o CDS vão concorrer em coligação e presumo que na própria legislatura continue a ter dois grupos parlamentares diferenciados. É normal que seja assim nas coligações.
Está rendido à liderança do Jerónimo de Sousa?
Tem desempenhado muitíssimo bem as funções de secretário-geral. Tem sido uma liderança muito positiva.
O que mudou no PCP nos últimos 11 anos?
Tem havido um grande esforço de renovação e o grupo parlamentar é exemplo disso. Temos um grupo parlamentar muito jovem, com jovens deputados com muito valor. O partido tem-se rejuvenescido e nos últimos actos eleitorais tem reforçado as suas posições, o que permite encarar com confiança as próximas eleições legislativas. Tem sabido encontrar respostas adequadas para os tempos em que vivemos, assumindo-se não apenas como um partido de protesto — estando certamente na primeira linha do protesto – mas também um partido que contribui com respostas concretas para a resolução dos problemas.
Essa renovação não deve passar também pela direcção do partido?
Os órgãos do partido têm tido uma renovação significativa nos últimos congressos. Temos dirigentes jovens mas em qualquer renovação que se pretenda sustentável isso nunca funciona como um render da guarda da força militar: em que saem todos e entram todos novos.
Já se prepara o pós-Jerónimo?
Não há um problema de liderança. No dia em que a questão se colocar discutir-se-á com toda a naturalidade.
O PCP deve repetir nomes ou deve apostar na renovação para as presidenciais?
Ver-se-á. O partido definiu em congresso que terá uma intervenção própria nas presidenciais, que pode passar pela apresentação de um candidato. Mas cada eleição presidencial é avaliada no momento próprio, de acordo com situação concreta do país.
João Ferreira faz parte da renovação. Seria um nome a considerar?
Não faço ideia. O PCP tem muitos nomes que dariam excelentes candidatos a tudo.
A candidatura de Sampaio da Nóvoa toca de alguma forma no projecto do PCP para as presidenciais? O PCP admite apoiar Nóvoa?
Sampaio da Nóvoa é uma pessoa muito respeitável e a sua candidatura é também uma candidatura muito respeitável. Mas vamos avaliar o quadro final das candidaturas existentes e em função disso o PCP avaliará qual será o seu posicionamento. Para já é prematuro fazer avaliações dos candidatos que estão no terreno. Mas é uma candidatura que obviamente é respeitável.
O Parlamento aprovou esta semana leis polémicas. É uma táctica dos partidos de Governo deixar diplomas importantes para o final da legislatura?
A alteração à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez é particularmente grave, porque foi um golpe legislativo, feito no último dia da legislatura, o que revela grande cobardia política. Espero que essas alterações possam ser revogadas a breve prazo. Mas houve um outro diploma, particularmente grave, e aí numa convergência total entre PSD, PS e CDS para permitir que os serviços de informações possam ter acesso a dados de tráfego e de localização das comunicações privadas, exactamente aquilo que a Constituição proíbe: qualquer ingerências nas comunicações privadas fora da investigação criminal.
teresa.oliveira@sol.pt
ricardo.rego@sol.pt
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