Miguel Frasquilho: ‘No IRS chega-se a rico muito depressa’

 “Não me vai falar do piano, vai?”. Quando o currículo de um economista tem uma valência que não seja o domínio do Excel, a curiosidade é automática. O de Miguel Frasquilho tem o 12.º grau do curso de piano do Conservatório: “Comecei a tocar aos quatro, cinco anos. A música sempre acompanhou a minha vida,…

A música foi complementar ao gosto por análises numéricas. O chip da economia surgiu com mais força no 10.º ano, quando fez os testes psicotécnicos. “Davam para tudo menos para uma coisa: médico. A minha relação com o sangue é complexa”. O pianista que gostava de tocar Mozart e Beethoven transformou-se num economista que já foi professor universitário, governante e deputado, e que ocupa agora a presidência da AICEP, a agência pública que procura investidores e ajuda empresários portugueses a tentar a sorte fora do país.

Com todos os líderes do PSD, desde Cavaco 

É uma das caras mais conhecidas do PSD para o campo económico, com uma ligação de três décadas ao partido. Como os sociais-democratas têm as suas idiossincrasias, mais vale tirar a limpo: é cavaquista, marcelista, santanista, barrosista ou passista? “Filiei-me com 21 anos porque queria ser como o professor Cavaco Silva, que era na altura o meu economista de referência. Vistas as coisas assim, sou cavaquista. Mas iniciei-me a sério na política activa com Marcelo Rebelo de Sousa, com quem tenho uma excelente relação. Depois fui membro do Governo de Durão Barroso e apoiei Passos Coelho para a presidência”. Ficamos esclarecidos.

A meses das eleições presidenciais, ainda ensaia a resposta politicamente correcta – “as presidenciais vão ter um momento próprio a seguir às legislativas” -, mas rapidamente acaba por admitir a sua inclinação: “Pelo que fui dizendo não terá grande dificuldade em adivinhar. Vamos ver se Marcelo avança. É uma pessoa fora de série, uma mais-valia extraordinária do país”.

Do ‘choque fiscal’ ao choque com Ferreira Leite

Segundo rezam as crónicas, Frasquilho apenas teve um desentendimento dentro da família partidária – com Ferreira Leite, quando era ministra das Finanças. O jovem economista era secretário de Estado do Tesouro e defendia algo a que a dama-de-ferro torcia o nariz: um ‘choque fiscal’, uma descida de impostos para animar a economia. “A prova de que as coisas não correram bem é que saí ao fim de um ano. Mas hoje tenho uma excelente relação com ela. Fui o seu número dois no Porto, quando era a presidente do partido”.

Frasquilho não é homem de rancores e ganhou amigos em todas as bancadas parlamentares, quando esteve na Assembleia da República. Mantém ligações próximas com os adversários, mesmo quando os debates parecem querer resvalar para uma luta de pugilato semelhante às do Parlamento ucraniano. “Antes de ser deputado, também tinha dificuldade em perceber a tensão nos debates. Pensava que um dia se iriam pegar à pancada”. O deputado João Galamba ainda será capaz de chegar a vias de facto, contraponho. Ri-se, mas rejeita: “Não, damo-nos muito bem. Almoçávamos com regularidade. Aquele fulgor dos debates não passa para a nossa vida”.

 Agora que está na AICEP, tem orgulho num organismo público cujo trabalho merece a concordância de todos os partidos – ninguém contesta a necessidade de conquistar mercados externos e de melhorar as exportações.

Está em contacto permanente com empresários, desenvolveu um novo plano estratégico para a agência, passou a cobrir novos mercados. Também aqui se revelou a vontade em fazer pontes: ouviu os antigos presidentes da AICEP, Basílio Horta e Pedro Reis, para enriquecer a nova estratégia da agência.

Faz dezenas de viagens, apresentações a investidores, roadshows e mais viagens. “É a maior exigência em termos físicos. Só no mês passado estive em São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e China. São viagens longas”. Apesar deste esforço, o entusiasmo e o optimismo são evidentes: “Portugal voltou a estar no radar dos investidores”.

A tempo do Sporting

Defensor que foi do ‘choque fiscal’, há 10 anos, mantém a ideia de que Portugal devia descer os impostos para se tornar competitivo  – mais do que os partidos do arco governativo prevêem para os próximos tempos. “Não basta acabar com a sobretaxa, como propõem a coligação e o PS. Temos de ir mais longe. No IRS,  chega-se a rico muito depressa”. O alívio da carga fiscal sobre as famílias é uma das bases do seu pensamento económico, porque  ajudaria a atrair quadros mais qualificados, ou pelo menos evitar que saíssem.

A conversa ao pôr-do-sol acaba dentro do limite pré-estabelecido: a tempo do jogo do Sporting contra o CSKA. Frasquilho é adepto do clube de Alvalade, onde, tal como no PSD, também há idiossincrasias. Frasquilho tem boa opinião de Bruno Carvalho, gostava do trabalho de Marco Silva mas está hoje convertido a Jesus. Ficamos esclarecidos.

Espaço: Espelho d’água

Bebidas: Um Ginger Ale e duas águas tónicas com gelo e limão.

Conta: Seis euros

joao.madeira@sol.pt