O que existe de mais provável, todavia, é que, sendo as circunstâncias excepcionais, após quatro anos de total dependência externa e de empobrecimento acelerado, esta seja uma campanha como as outras.
A par dos cartazes inúteis que poluem e desfeiam a paisagem urbana, não faltará a gritaria do costume sobre os pequenos casos, a frenética actividade dos snipers disfarçados de fontes na imprensa ou emboscados nas redes sociais, nem os chamados sound bytes debitados em jantares de fiéis e as arruadas com distribuição de presentes e muitas bandeiras para as câmaras de TV. É nisto que os dois maiores partidos se propõem gastar 5,4 milhões, sabendo-se que, como sempre acontece, a conta final será ainda mais choruda e a proveniência do dinheiro, neste caso como nos restantes, talvez incerta ou mal explicada.
Quanto à tal discussão séria acerca da situação do país e das formas de assegurar algum progresso que não dê em retrocesso será limitada ao estritamente inevitável. Vê-se pelas complexas negociações sobre os debates na TV, as quais produziram, por junto, um só frente-a-frente entre os ‘candidatos a primeiro-ministro’. Isto mostra bem que a sua preocupação não é tanto a de confrontar propostas, mas antes a de evitar correr riscos.
Não será pela falta dos frente-a-frente, de eficácia duvidosa, que os outros deixarão de se fazer ouvir. Mas tudo indica que o poder, porventura ainda mais enfraquecido pela abstenção e pelos votos de protesto, se discutirá entre os do costume, com o PCP firme no seu reduto e um BE que, podendo crescer também, parece ter perdido a oportunidade de alguma vez se tornar um Syriza.
À distância de um mês, nenhum abalo estrutural se prevê no velho sistema partidário comparável aos que têm vindo a ocorrer nos países do Sul da Europa, o que é, ao mesmo tempo, uma notícia má e boa. Má, porque dificulta a necessária regeneração dos partidos, em especial dos que têm alternado no poder; boa, porque o risco da ingovernabilidade, que já vai dando sinais de existir, aumentaria de modo significativo, como se tem visto na Grécia.
Basta olhar para o enorme boletim de voto divulgado pelo Expresso. São 20,3cmx35,2cm de partidos, muitos dos quais só aparecem nas eleições, outros que são defensores de apenas uma causa – pensionistas, anti-aborto, animais – e outros ainda que, resultando de dissidências do BE, mal se distinguem dele.
Há lugar, também, para o ‘caudilhismo’, bem como para um ou dois genuínos movimentos de cidadãos, mas, deste universo de disputas e ambições mais ou menos pessoais não é certo que resulte sequer uma bengala para o PS semelhante à que o PSD encontrou no CDS. O boletim de voto é grande, mas, neste caso, o tamanho não é tudo.
O exemplo do deputado
Martin Patzelt, um deputado alemão pertencente ao partido de Angela Merkel, acolheu em sua casa dois jovens refugiados dos cerca de 800 mil que a Alemanha se prepara para receber. Com o seu gesto, Patzelt resolve apenas o problema dos dois felizardos eritreus. Mas, num momento em que ninguém sabe bem o que fazer, a sua iniciativa humanitária tem um valor político inestimável: é uma resposta frontal aos movimentos que crescem em número e violência contra os imigrantes, assim como aos Estados que os recebem com cães polícias e arame farpado.
Palmira
Desde Maio que a ameaça existia e está agora concretizada perante a passividade da comunidade internacional: um templo com mais de dois mil anos foi destruído à bomba pelos terroristas do chamado Estado Islâmico. Antes, decapitaram Khaled al-Assaad, de 82 anos, guardião, nos últimos 50 anos, do complexo arqueológico de Palmira, o precioso património da humanidade que se ergue no deserto sírio. Custa a crer que tudo isto suceda e fique impune. Mas é o que acontece. Talvez até ao dia em que vierem destruir as catedrais. E será demasiado tarde.