“Não devem misturar-se legislativas com presidenciais”, foi o dogma que todos – partidos e comentadores – aceitaram sem discussão.
Ora, não estou certo de que tenha sido uma boa decisão.
Recordo o que se passou em 1985.
O PSD andava às voltas com as presidenciais, várias pessoas se perfilavam como candidatos – entre os quais um independente, o general Firmino Miguel – e Mota Pinto, então líder dos sociais-democratas, não conseguia desembrulhar o assunto.
Entretanto Mota Pinto morreu, foi substituído por Rui Machete, mais tarde deu-se o Congresso do PSD na Figueira da Foz do qual surpreendentemente Cavaco Silva saiu vencedor – e o que fez Cavaco?
Declarou o apoio a Freitas do Amaral, que até militava noutro partido, o CDS, do qual fora fundador e presidente.
Vivi esse tempo como comentador político – e posso afirmar que a capacidade de decisão revelada por Cavaco Silva, ao apoiar um candidato presidencial contra a opinião de muita gente no PSD, foi importante para a sua afirmação política e para a sua vitória nas legislativas seguintes (que iniciaram um período de 10 anos consecutivos à frente do Governo).
Por isso, tenho as maiores dúvidas quando ouço dizer que não se devem misturar legislativas e presidenciais.
Julgo que a coligação teria toda a vantagem em já ter escolhido um candidato – pois uma campanha em que Passos Coelho, Paulo Portas e o candidato presidencial apoiado pelos seus partidos aparecessem lado a lado teria uma pujança maior.
Daria uma ideia de projeto global, de existência de um rumo para o país, e as pessoas gostam disso.
É certo que muita coisa dependeria do nome do candidato.
Do ponto de vista da conquista de votos, o melhor para a coligação seria Marcelo Rebelo de Sousa.
Já escrevi que Marcelo será melhor candidato do que Presidente da República: entra muito bem no centro e até em alguma esquerda, não se comprometeu com a austeridade e é popularíssimo.
A seguir, a hipótese mais forte seria Pedro Santana Lopes, se não tivesse desistido.
Santana é bom a discursar, sabe falar ao coração das pessoas e já participou em muitas campanhas eleitorais; o seu problema é que continua a ter colado à testa um rótulo de aventureirismo, que poderia contaminar a coligação.
Rui Rio seria sempre, para mim, a terceira escolha.
Não consegue criar grande empatia com as pessoas e tem uma imagem regionalista que não joga, de todo, com um cargo que é, por excelência, nacional.
Claro que, se a coligação tivesse querido apresentar um candidato antes das legislativas, e se o escolhido fosse Marcelo, haveria uma dificuldade talvez inultrapassável: ele não estaria pelos ajustes.
Porquê?
Porque não quereria ligar o seu destino ao destino da coligação – considerando que, em caso de vitória do PS, partiria para as presidenciais com uma imagem de derrotado.
Com Pedro Santana Lopes ou Rui Rio já o caso seria diferente.
Se o PSD e o CDS tivessem proposto a um ou a outro o apoio imediato, eles teriam avançado alegremente.
Do lado do Partido Socialista, a coisa coloca-se mais ou menos do mesmo modo.
O PS teria tido toda a vantagem em começar esta campanha com a questão presidencial resolvida.
Partindo do princípio de que António Costa vai apoiar Sampaio da Nóvoa, se o tivesse feito já ganharia em três tabuleiros.
Primeiro, mostraria capacidade de decisão.
Segundo, evitaria os ziguezagues que o PS tem vindo a fazer nesta questão, ora se aproximando, ora se afastando do candidato.
Terceiro, teria evitado o avanço de Maria de Belém (ou, se esta avançasse na mesma, já saberia à partida que não contaria com o apoio do PS).
Seria uma situação clara.
Os partidos decidiram não apoiar candidatos presidenciais para não desviarem as atenções das legislativas – mas, como se tem visto, não se fala doutra coisa senão de presidenciais…
Ninguém percebeu que as dúvidas sobre quem se candidataria ou não, sobre quem iria a coligação apoiar, sobre quem iria o PS apoiar, alimentariam muito mais o debate político do que uma escolha feita atempadamente.
Se a coligação já tivesse dito: “Nós apoiamos Marcelo Rebelo de Sousa (ou Santana Lopes ou Rui Rio) por isto e por aquilo”, se o PS já tivesse dito: “Nós apoiamos Sampaio da Nóvoa (ou Maria de Belém) por esta e aquela razão”, a especulação teria acabado nesse momento.
E nem tenho a certeza de que o candidato presidencial apoiado pela força política derrotada nas legislativas fosse necessariamente um perdedor nas presidenciais.
Ganhando o PS, as pessoas poderiam pensar: “O Marcelo Rebelo de Sousa (ou Santana Lopes ou Rui Rio) já perdeu as legislativas, vamos agora dar-lhe uma oportunidade”.
E o mesmo seria válido para Sampaio da Nóvoa (ou Maria de Belém) no caso de ser a coligação a ganhar.
Seguiu-se, porém, um caminho diferente que ninguém discutiu – mas eu penso que mal.
Todas estas dúvidas que andam no ar, todas estas aparentes hesitações, todas estas manchetes sobre presidenciais, fragilizam os candidatos, fragilizam os partidos, fragilizam os líderes – e acabam por misturar irresistivelmente as duas eleições.
Se Cavaco Silva fosse líder partidário e não Presidente da República, julgo que já teria escolhido um candidato presidencial – e levá-lo-ia com ele à campanha das legislativas.